Opinião

O outlet e a cidade das não repúblicas

O que a tentativa de proibir repúblicas e pensões em um bairro e a proibição do outlet que doaria parte da renda a uma instituição implicam no cotidiano da cidade.

Por: Acácio Rocha | Jornalista | Diretor de Conteúdo do Portal Siga Mais | Vereador em Adamantina
O outlet e a cidade das não repúblicas

Os últimos dias foram marcados por acontecimentos estranhos ao curso natural das coisas, sob a alegação de defesa do espaço – físico, ideológico, das liberdades, dos negócios e das oportunidades – e do status acerca do que é confortável. Os argumentos foram construídos pelo viés da própria causa, pela nação e contra o mercado das calças.
Nesse cenário – o território – as peças estão posicionadas num pacto de conveniência. O Capítulo I se escreve acerca do posicionamento de uma associação de moradores, em um residencial aberto de alto padrão, que busca no estatuto social os argumentos para tentar banir repúblicas e pensionatos do lugar.
Com um banner no acesso ao lugar, notificações extrajudiciais a moradores – proprietários e inquilinos – e os argumentos de ambos os lados, foi construído o cenário das excepcionalidades.
Em uma das mãos, um estatuto legítimo da associação traz aspectos que versam sobre o funcionamento da organização. A norma traz, em sua estrutura, vedação estatutária à presença de repúblicas e pensões no lugar, e versa sobre o que parece ser conveniente. Porém, a ferramenta não tem legitimidade e poder para definir sobre o uso dos imóveis e interferir na prerrogativa do direito de propriedade sua utilização, como preceitua o Código Civil Brasileiro, nem mesmo tem legitimidade para decidir sobre o uso e ocupação do território, o que é prerrogativa exclusiva do Município, por meio de instrumentos como Plano Diretor e Código de Posturas. Nenhuma das duas normas municipais traz qualquer objeção.
Mas é certo afirmar que, independente de qualquer outra condição legal, o direito ao sossego, ao descanso, ao silêncio noturno, entre outras questões, devem ser observadas e consideradas como fator limitador e de ordenamento, sob qualquer condição de vizinhança. Assim, seja de qual lado for, esse pressuposto deve ser observado em sua integralidade.
Um único fator limitador sobre a presença de repúblicas ou pensionados é a caracterização do loteamento. O espaço em pauta não é um residencial, condomínio ou loteamento fechado, embora pareça ser. E cumpre destacar: não existe nenhum loteamento horizontal fechado em Adamantina. A restrição à presença do pensionato pode ser invocada com base nas informações sobre o loteamento, quando de seu registro no cartório local, que pode defini-lo exclusivamente residencial. Assim, se for considerado esse aspecto, abre-se um precedente perigoso, em todo o território do município, onde se visualizam diversas pensões, e fora dessa atividade, outras atividades diversas, em espaços urbanos definidos como residenciais.
Abre-se, com esse tema, uma discussão sobre a organização do espaço urbano e, sobretudo, quem tem competência e legitimidade para decidir sobre o direito de propriedade e uso e ocupação do território. As tentativas de ordenamento urbano trazidas pelo Plano Diretor e/ou Código de Posturas, ou outras normas, ainda são insuficientes e incapazes de criar limitadores e pacificar a relação de vizinhança.
A cidade se projeta como centro universitário e ainda precisa saber lidar com a população estudantil, que em muitas situações, moradores e filhos de moradores daqui também são estranhos em outras cidades, e nenhum conterrâneo ou familiar gostaria de que, lá fora, fossem tratados como intrusos ou estranhos ao território, que é de todos. 
O desafio é cultural e deve ser buscado o equilíbrio, em ambos os lados, e não a sobreposição de determinadas forças e padrões. O que a lei garante, a todos se aplica, sem distinções.

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O Capítulo II traz outra questão de ampla discussão, vivenciada nesta semana, com o anúncio  de um bazar outlet, em Adamantina, com as credenciais filantrópicas de conversão de parte da renda à uma instituição tradicional e de credibilidade, na cidade.
A iniciativa do outlet ocorre em outras cidades, promovida pela mesma organizadora, onde se instalam nas instituições, que abrem seu espaço e usam do seu relacionamento com a cidade para arrebanhar clientes, e por sua vez, usufruem de um determinado percentual nas vendas. Fala-se em 5%, a título de comissão, convertido aos cofres da instituição, enquanto o promotor do evento fatura os 95%.
Pois bem. A notícia sobre a chegada do bazar itinerante causou alvoroço entre os consumidores e reação imediata do comércio.
Entre os consumidores, a expectativa se deu pela oportunidade de realizar compras de roupas de marcas conhecidas a preços mais convidativos, e com o viés de ajudar, por tabela, a instituição social. Combinação perfeita de economizar – em tempos de dinheiro curto – e fazer o bem.
Por outro lado, os órgãos que representam o comércio reagiram. Foi colocado como argumento a atenção e apoio que o comércio rotineiramente presta às instituições locais, apoiando as iniciativas, rifas, quermesses, leilões, almoços, jantares e uma infinidade de atividades beneficentes.
Em outras palavras, o setor de viu golpeado com a iniciativa do bazar, e invocou ainda o cenário de crise, desemprego e a presença do setor na economia local, relatando número de empregos e dividendos movimentados pelo setor comercial. E que o bazar traria riscos a esses negócios.
Informações extraoficiais sugerem que uma atividade como esta poderia movimentar cerca de R$ 100 mil, provocando a evasão dessas divisas e tributos, enquanto contribuiria com a entidade dentro do percentual informado.
Os representantes do comércio se puseram contra, invocando esses fatores e a quebra de um pacto de reciprocidade. O empreendedor que ajuda a instituição quando é chamado na realização de suas ações beneficentes, gera empregos e divisas, se viu desprestigiado. O setor fez pressão e conseguiu fazer com que a instituição voltasse atrás e desistisse do bazar.
Porém, a questão do consumidor, e da oportunidade de compras a preços mais racionais em relação aos praticados pelo comércio local, não foi considerada, e teve essa oportunidade cerceada por conta da pactuação, conveniência e considerações daqueles com poder de decisão no debate.
Assim, passada a euforia inicial, o episódio ensina muitas coisas, para todos. Por um lado, é de considerar a posição do comércio, mas este é o que mais precisa aprender a lidar com esse cenário de competitividade. Não é a presença de um bazar itinerante que vai ser determinante para o fechamento de empresas, quando o consumidor se depara diariamente como um comércio que precisa ser reinventado, atraente e convidativo, sob todos os aspectos: instalações, preço, atendimento, entre outros apelos. Há boas práticas locais, isoladas, entre alguns empresários mais antenados, mas no geral, é pouco representativo.
O comércio precisa fazer mais, se quiser sobreviver, quando o principal concorrente não está mais no outro lado da rua, mas nas mãos do consumidor. Pela internet, na palma da mão, é possível comprar de tudo, sem irritações, sem sol ou chuva, sem precisar rodar para encontrar vaga de estacionamento que muitas vezes fica ocupada o dia todo com o carro do dono da empresa, sem vendedor “sombra” colado no consumidor, sem considerar ainda as questões preço e prazos, entre outros pontos que afastam.
O desafio para o setor comercial é superar-se a si mesmo. Fazer melhor, diferente e com qualidade. O setor precisa aprender a respeitar o cliente e trata-lo como financiador e provedor do empreendimento. É o consumidor que viabiliza o negócio, e é responsável pelo sucesso ou fracasso do empreendimento, tanto quanto a capacidade do empresário em lidar com isso. O maior patrimônio da empresa não é o estoque, mas o quadro de colaboradores, dentro do negócio, e o consumidor, do lado de fora. Sem a conexão entre essas duas frentes – que precisam se encontrar no ambiente do negócio, e fazer negócio – o caminho é o fracasso.
O outro lado, que precisa reconhecer sua força, é o consumidor. Nesse episódio, se manifestou nas redes sociais e deu vazão à sua voz. Porém, é possível fazer mais, na defesa da sua condição. Se essa força se organizar e pactuar – por exemplo – e ficar uma semana sem comprar na cidade – exceto o que for fundamental como gêneros alimentícios – o peso das perdas vai ser muito maior do que os R$ 100 mil que o bazar itinerante poderia levar embora. Assim, é imprescindível conhecer-se e marcar espaço no território, que é amplo, diverso e sem fronteiras, e fazer valer que ninguém manda na vontade do consumidor. E sua força, no poder de compra, precisa ser reconhecida e valorizada como elemento estratégico e determinante para o cenário econômico e a cadeia de negócios que operam na cidade.

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