Cidades

“O gestor não pode ter medo de dizer ‘não’ quando for preciso”, diz diretor do TCE

Diretor do Tribunal de Contas (Regional Adamantina), fala sobre fiscalização e crise nos municípios.

Por: Da Redação atualizado: 29 de outubro de 2015 | 11h46
Edson Hideo dos Santos, diretor da Unidade Regional de Adamantina (UR-18), do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (Foto: Acácio Rocha). Edson Hideo dos Santos, diretor da Unidade Regional de Adamantina (UR-18), do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (Foto: Acácio Rocha).

As administrações municipais, como um todo, têm atravessado um período de dificuldades financeiras desencadeadas pela crise econômica, recessão e a desaceleração na atividade produtiva no país.
Com menos negócios, há menos dinheiro em circulação, e por consequência, menos impostos são recolhidos pela área pública para o custeio de sua estrutura, no atendimento a seus compromissos, nos serviços públicos prestados aos cidadãos, pagamento de fornecedores e custeio da folha de pagamento.
Esse é o drama vivido por muitos gestores municipais e tem tirado o sono de prefeitos, exigindo uma nova postura de gestão. Preparados para os desafios da atividade pública, ou não, precisam encontrar meios para atender as necessidades básicas da população, pagar fornecedores e salários, não gerar déficit (gastar mais do que arrecadar) e cumprir, na íntegra, cada artigo do conjunto de leis que disciplinam, organizam e normatizam o funcionamento da instituição pública.
Para fazer isso e cumprir com todas as atribuições da atividade pública, esses gestores estão sujeitos a obrigações e responsabilidades. Nada disso é novidade e ninguém pode alegar desconhecimento: o rigor da lei se aplica a qualquer tempo, com ou sem crise. Em síntese, cada um vai ser cobrado pelos seus atos ou omissões, apurados no exercício do mandato.
E quem fiscaliza e avalia o desempenho desses gestores, e seus resultados? Em especial, sobre a estrutura do Poder Executivo – das prefeituras municipais – essa dinâmica  é fiscalizada pelo Poder Legislativo – exercido pelos vereadores – , Ministério Público e o Tribunal de Contas.
Ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE/SP) compete atuar na fiscalização contábil, financeira orçamentária, operacional e patrimonial do Estado de São Paulo e de seus Municípios, exceto o da Capital, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação de subvenções e renúncia de receitas. A jurisdição do Tribunal alcança administradores e demais responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos, além das pessoas físicas ou jurídicas, que, mediante convênios, acordos, ajustes ou outros instrumentos, apliquem auxílios, subvenções ou recursos repassados pelo Poder Público.
Dentro da estrutura organizacional do TCE/SP estão as Unidades Regionais, como a de Adamantina (UR-18), criada 18 de março de 2010, tendo iniciado suas atividades em 1º de julho do mesmo ano. Com uma população regional de aproximadamente 200 mil habitantes, a Unidade Regional em Adamantina tem como jurisdicionados os municípios de Arco-Íris, Bastos, Dracena, Flora Rica, Flórida Paulista, Herculândia, Iacri, Inúbia Paulista, Irapuru, Junqueirópolis, Lucélia, Mariápolis, Osvaldo Cruz, Ouro Verde, Pacaembu, Parapuã, Pracinha, Queiroz, Rinópolis, Sagres, Salmourão e Tupã.
Para falar sobre o papel do Tribunal de Contas na atividade na fiscalização contábil, financeira orçamentária, operacional e patrimonial nos municípios da região, bem como o cenário de crise e seus reflexos na administração municipal, implicações e responsabilidades aos gestores públicos, a contribuição do poder legislativo e do cidadão, entre outros aspectos, SIGA MAIS conversou com o Diretor Técnico de Divisão da UR-18 de Adamantina, Edson Hideo dos Santos.
Em geral, segundo Edson, esse cenário traz a lição de que o planejamento é essencial. “O gestor não pode ter medo de dizer “não” quando for preciso”.
E enquanto as medidas forem tomadas somente na periferia do problema, há risco e pouco resultado efetivo. Nesse aspecto, e de maneira geral, Edson avalia as medidas internas para redução das despesas da máquina pública, adotadas por muitos municípios da região. E considera, para avaliação, o saldo do ano passado. “Para fecharem as contas, no final de 2014, alguns municípios já haviam adotado a medida de reduzir o atendimento nas repartições públicas e uma análise feita pela Fiscalização verificou que não houve redução significativa de gastos, visto que setores essenciais não podem deixar de dar atendimento à população”.

Confira abaixo a entrevista.

O TCE está cada vez mais atento à efetividade das políticas públicas. A questão não é só contábil/financeira, mas de resultados efetivos para o cidadão. Há sensibilização e consciência dos dirigentes públicos quanto a esse foco de resultados que o TCE, cada vez mais efetivamente, busca mensurar?
Edson Hideo dos Santos
- A Fiscalização do TCESP vem, de forma gradativa, dando ênfase a auditoria de resultados e a fiscalização concomitante da gestão, isto é, acompanhar durante o ano corrente se determinado programa/ação de governo trouxe os benefícios pretendidos ao cidadão e, isso esbarra na questão do planejamento do município. Tenho visto boa vontade da maioria dos dirigentes públicos, contudo, falta melhor estruturar o setor e a equipe do planejamento nas prefeituras. Exemplifico: no orçamento está previsto a construção de uma pré-escola em determinado bairro para atender 200 crianças, sem um estudo prévio se aquele é o melhor local para a construção, a demanda das crianças e onde moram, além do custo de manutenção com pessoal, mobiliário, materiais, energia, etc. Depois de construída, percebe-se que a maioria das crianças mora longe da escola, o que gera custos elevados com transporte; que a demanda por vagas era de 100 crianças; que seria melhor ter construído duas creches menores em bairros diferentes ou que o custo de manutenção será muito elevado e não terá condições da escola iniciar atendimento de imediato.

As administrações municipais estão diante do risco iminente de encerrarem o exercício financeiro de 2015 com déficit, ou seja, o poder público gastou mais do que arrecadou. Como será a postura do TCE, em 2016, na fiscalização dos atos dos gestores municipais referentes a 2015?
Edson
- No âmbito da Unidade Regional de Adamantina, se houver déficit, a Fiscalização está orientada a fazer um comparativo da receita e da despesa de 2015 com a dos três últimos anos para ver o impacto da crise nas contas do município, bem como comparar nesse período o percentual de investimento. Também verá se o gestor público atendeu o que manda a Lei de Responsabilidade Fiscal: se na execução do orçamento a receita estiver menor que a despesa deve  conter os gastos para não gerar déficit; se a despesa com pessoal extrapolar o limite de 51,3% da receita corrente líquida (RCL) não pode dar aumento acima da inflação aos servidores, contratar horas extras ou admitir pessoal que não seja para repor aposentados das áreas de ensino e saúde; se essa despesa extrapolar 54% da RCL deve reconduzir o excesso nos dois quadrimestres seguintes. Além disso, o gestor deve buscar incrementar as receitas próprias, como por exemplo, cobrar a dívida ativa e instituir a cobrança da CIP-Contribuição da Iluminação Pública, pois 60% dos 22 municípios da nossa região não instituíram essa cobrança, apesar de terem assumido o ônus da manutenção dos serviços correlatos. Como contribuinte, sou contra aumento de “impostos” para cobrir déficit público decorrente de má gestão, sem efetivo corte de gastos e máquina pública ineficiente, mas acho razoável pagar alguns reais na conta de luz para que a prefeitura possa trocar a lâmpada queimada da rua de casa, do parque em que meus filhos brincam e pagar pela iluminação desses locais, é questão de segurança e se trata de receita vinculada a essas despesas.

Na fiscalização junto aos Municípios, o cenário de crise, será considerado? Há alguma orientação técnica do TCE que sinalize para a flexibilização da ação fiscalizatória?
Edson
- Independentemente do cenário de crise, a função da Fiscalização do TCESP é verificar o cumprimento da legislação e a qualidade do gasto público. O Tribunal sabe das dificuldades dos municípios e o papel da Fiscalização é informar em seus relatórios os dados necessários para o julgamento das contas dos gestores públicos, que no caso dos prefeitos e presidentes de câmaras é feito de forma colegiada pelos Conselheiros do TCESP.

Que implicações um gestor público pode sofrer, na dimensão da legislação vigente, se não cumprir com a reponsabilidade fiscal, sobretudo diante dos os aspectos elencados na LRF?
Edson
- Falando do prefeito, por exemplo, o art. 9º da LRF prescreve se no ano corrente ele não determinar a limitação de empenhos (deixar de gastar) caso a receita esteja menor que a despesa (déficit), poderá sofrer uma multa de 30% da sua remuneração anual (art. 5º da Lei 10.028, de 2000). No último ano do mandato (2016) deve ter especial atenção com o art. 42 da LRF, que proíbe assumir compromissos financeiros nos últimos oito meses de mandato sem ter disponibilidades financeiras, isto é, nesse período, não se deve gastar a não ser que tenha dinheiro para pagar. Se desrespeitar essa regra, por certo, terá suas contas anuais rejeitadas pelo TCESP e se essa decisão for mantida no julgamento pela Câmara de Vereadores poderá ficar proibido de concorrer em futura eleição. Poderá ainda vir a sofrer uma ação penal, se caracterizar infração ao artigo 359-C do Código Penal. A título de ilustração, em 2012 que foi último ano de mandato, dos 644 municípios paulistas, 187 deles (29%) descumpriram a regra do art. 42 da LRF e tiveram as contas rejeitadas pelo Tribunal com comunicação do fato ao Ministério Público Estadual. Com a crise econômica essa situação poderá se agravar para 2016.

O que a crise econômica e fiscal deixa de lição para os administradores públicos?
Edson
- Que o planejamento da gestão é essencial. Que se deve ter uma gestão fiscal responsável e gastar bem o dinheiro dos impostos pagos pelo cidadão. O gestor não pode ter medo de dizer “não” quando for preciso: a despesa é essencial, vai atender o interesse do povo ou pode esperar. A situação econômica mudou, tem que procurar baixar custos e melhorar a produtividade da máquina pública, do contrário a tendência é se tornarem gestores de folha de pagamento.

Vários municípios da região, e do Brasil como um todo, mas aqui aqueles jurisdicionados à Unidade Regional do TCE/SP em Adamantina, estão tomando medidas internas para redução das despesas da máquina pública. Acredita, efetivamente, que essas medidas possam surtir resultados?
Edson
- Para fecharem as contas, no final de 2014, alguns municípios já haviam adotado a medida de reduzir o atendimento nas repartições públicas e uma análise feita pela Fiscalização verificou que não houve redução significativa de gastos, visto que setores essenciais não podem deixar de dar atendimento à população. Contudo, em 2015 houve aumento significativo nos preços da energia elétrica e dos combustíveis, bem como alguns municípios tem reduzido gastos com folha de pagamento com relação às horas extras, gratificações, remuneração dos agentes políticos e dos comissionados, e até demissão destes últimos, fatos que podem contribuir para um melhor resultado.

No geral, como o poder legislativo pode contribuir para que essas medidas, e outras, possam surtir resultados efetivos?
Edson
- Gastando somente o necessário, fazendo economia. Tenho conhecimento que câmaras municipais têm adotado medidas internas para diminuição dos gastos. Vale lembrar que o Poder Legislativo não possui receita própria e por isso recebe repasses financeiros mensais da prefeitura (duodécimos) e havendo sobra de dinheiro esse é devolvido. Muitas vezes essa economia financeira vai servir para pagar o salário dos servidores da prefeitura ou fornecedores em atraso.

A população, por sua vez, é coberta por um amplo leque de direitos, assegurados legalmente, e os municípios, muitas vezes, argumentam a impossibilidade de atender diante da dificuldade financeira. Como dosar isso? É possível estabelecer um parâmetro de racionalidade e equilíbrio no atendimento a essa demandas?
Edson
- Volto a frisar a importância do planejamento da gestão para se gastar bem o dinheiro dos impostos pagos pela população. Há caso de município que gasta mais de 30% dos recursos na educação e nas avaliações do IDEB - que é a nota do ensino básico – tem notas muito inferiores a município que aplica pouco acima dos 25% obrigatórios; os professores da sua rede carecem de cursos de capacitação ou de especialização, as escolas não possuem acessibilidade e precisam de reformas e os ônibus escolares têm mais de 10 anos. Outros gastam 32% na saúde cujo mínimo é 15%, mas a Fiscalização verifica que falta remédio na farmácia do Posto de Saúde, as ambulâncias estão mal conservadas e a população reclama do atendimento e da falta de médicos. Outros gastam menos e a população considera satisfatório o atendimento nas entrevistas feitas pela Fiscalização.

E como o TCE vê a judicialização, em vários temas da administração municipal, sobretudo na saúde. Essa medidas retratam a ausência de alguma ação anterior a elas?
Edson -
Posso falar da minha visão sobre o assunto e não vejo como ausência de ação por parte da municipalidade. No atendimento a prefeitos e funcionários da área jurídica e da saúde das prefeituras, a judicialização é uma das reclamações. Dizem que na maioria das vezes quem pode pagar advogado são os que obtêm as decisões judiciais para pagamento de exames caros, cirurgias e remédios de alto custo (alguns sequer autorizados pela ANVISA), e isso compromete o orçamento do setor. Entendo que isso ocorre porque as pessoas têm necessidades (urgentes muitas vezes), vivem nos municípios e a constituição diz que a eles compete prestar atendimento à saúde da população, com cooperação do Estado e da União. Então é mais fácil acionar judicialmente o município do que o Estado ou a União. Outro fator que impacta essa situação é o município receber a menor parte do “bolo” dos impostos arrecadados, sendo que a União e o Estado ficam com a maior parcela, contudo, o ônus maior com as demandas da população é de responsabilidade dos municípios.

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