Opinião

Recordando: “Vá caçar sapo!”

“No inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise”. (Dante Alighieri)

Por: Nivaldo Londrina Martins do Nascimento
Recordando: “Vá caçar sapo!”

Na entrega das chaves da COHAB Vila Rica, um dos primeiros conjuntos habitacionais do antigo sistema, teve de tudo; de inflamados discursos da extrema direita às lágrimas dos que realizavam o sonho da casa própria. Isso, em 21 de abril de 1967, depois de se cantar o hino nacional com a mão no coração, como mandava o regime militar, e das mudanças serem feitas pelos caminhões do exército. Claro. 

Ganhavam assim um pouco de dignidade os descendentes de escravos que até então habitavam os fundos de vale em Campinas. Essa era uma amostra do que os militares iriam fazer no “milagre econômico”, período em que multidões sonhavam acordadas. A seguir o país se transformaria num canteiro de obras: seriam construídas novas hidroelétricas, a Transamazônica, a ponte Rio Niterói, novos aeroportos e metrôs nas principais capitais. A construção civil crescia e quase não havia desemprego.

Quinze anos depois, o povo começou a sentir o peso dos primeiros acordos que Delfim Netto fizera com o FMI. No inicio da década de 1980, o desemprego cresceu e acabou chegando ao conjunto Vila Rica. Poucos conseguiam comprar uma bicicleta Monark barra-circular e tomar um aperitivo no bar. Mas o sarará Ismael parecia viver num mundo diferente. Todo dia, ia ao barzinho tomar sua cerveja e jogar sinuca; nos fins de semana, não perdia um baile nem deixava de ir ao cinema. Para ele, a crise parecia não existir.

Não demorou, a boa vida de Ismael passou a intrigar os amigos: ele teria de falar como conseguia dinheiro para manter aquele estilo de vida de filho de coronel. Assim, numa reunião nada democrática, o sarará se viu obrigado a confessar que estava caçando sapos para uma curandeira benzer carteira de trabalho de desempregados, e que ela pagava cinco cruzeiros por animal.

A revelação deflagrou a maior caçada já vista em Campinas. Na manhã seguinte, “os amigos” foram à casa de Ismael com dois sacos repletos de sapos, querendo saber o endereço da mãe de santo, para receberem a recompensa pela noite de sacrifício nas lagoas e brejos da região. “Nem morto, eu digo!”, gritou nosso herói. Com essa histórica frase, estabelecia-se o monopólio do sapo em Campinas. 

Hoje, de novo, o brasileiro se vê diante de terrível desemprego. Como, desta vez, nas eleições presidenciais prometeu-se criar 10 milhões de vagas, o que se pergunta é: quando isso vai acontecer?... A crise está tão braba que, se os petecanos (mistura de petistas com tucanos), que, na eleição, prometeram resolver o problema, decidirem mandar quem acreditou neles caçar sapo, a espécie dos anuros corre o risco de entrar em extinção.

Nota do autor: Publiquei este texto pela primeira vez em 31 de maio de 2003, mas passados 13 anos ele continua atual, pelo menos na questão do desemprego. A propósito, como algumas pessoas entraram em êxtase quando Michel Temer lembrou a máxima Não fale em crise, trabalhe, gostaria de dizer que essas palavras foram inspiradas na frase alemã Arbeit macht frei, em português O trabalho liberta, colocada nas entradas dos campos de extermínio do regime nazista durante a Segunda Guerra Mundial, inclusive no portão de Auschwitz. Em outras palavras, em tempos de crise quem sempre paga a conta são os trabalhadores.

Londrina é servidor público municipal e jornalista profissional (Mtb 35079).
 

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