Opinião

A bela história do médico clandestino

“A maior glória em viver não está em jamais cair, mas em nos levantar cada vez que caímos.” (Nelson Mandela)

Por: Nivaldo Londrina Martins do Nascimento
O médico clandestino Hamilton Naki (Foto: Reprodução). O médico clandestino Hamilton Naki (Foto: Reprodução).

Hamilton Naki nasceu em 1926 numa pequena aldeia da província de Easten Cape, África do Sul, onde permaneceu até completar o curso primário. Com apenas 14 anos de idade deixou sua terra natal e seguiu, de carona, para a Cidade do Cabo em busca de trabalho. Lá, conseguiu o emprego de jardineiro na universidade local.

Pouco tempo depois, passou a limpar os chiqueiros e a cuidar dos animais cobaias do laboratório da Faculdade de Medicina da Universidade da Cidade do Cabo. Muito inteligente, Naki não demorou para se envolver em pequenos procedimentos cirúrgicos em animais, como suturas, analgesias e cuidados pós-operatórios.

Mesmo sendo carente em estudos formais, a técnica e a capacidade do jovem negro foram reconhecidas pelos seus superiores brancos, e ele acabou recebendo permissão para fazer pesquisas com animais no laboratório, embora nunca iria poder trabalhar como médico de humanos por causa do regime de segregação racial que existia na África do Sul.

Com mãos firmes e muita dedicação, não demorou para Naki chegar ao cargo de técnico do laboratório de pesquisas da Faculdade de Medicina. Em razão disso, passou a dar assistência aos jovens alunos brancos em inúmeras atividades com animais no centro cirúrgico do laboratório, e até mesmo em pesquisas de transplantes de coração, rins e fígado.

Graças à merecida promoção, Naki passou a receber o salário mais alto que a instituição de ensino podia pagar para alguém sem diploma. Ainda assim, os seus vencimentos mal davam para cobrir as necessidades básicas de sua família e continuou morando em um casebre sem energia elétrica nem água encanada na periferia da Cidade do Cabo.

Em seguida, a grande habilidade de Naki em aprender e a realizar procedimentos delicados chamou a atenção do grande médico Christiaan Barnard, que passou a lhe delegar mais confiança e espaço dentro do centro cirúrgico do Hospital Universitário. Logo ele se tornaria um grande cirurgião, e também um problema para as leis sul-africanas.

Por causa do apartheid, um negro não podia operar pacientes ou tocar no sangue de brancos. Entretanto, a direção do hospital reconhecendo a sua habilidade fez uma exceção e o transformou em um cirurgião clandestino. Mas para Naki isso não fazia diferença, e ele continuou dando o melhor que podia apesar da discriminação.

Com tanto empenho, não demorou muito para Naki se transformar no segundo homem mais importante da equipe de Christiaan Barnard. Então chegou 1967, ano em que um grande acontecimento entraria para a história da medicina: seria realizado o primeiro transplante de coração num ser humano. E para que esse trabalho tivesse êxito, o coração doado teria que ser retirado com o máximo cuidado.

Como Naki era um cirurgião excepcional, ele foi o encarregado da difícil tarefa de extrair o coração da doadora. E suas mãos firmes não decepcionaram, mesmo depois de exaustivas horas de cirurgia. O transplante, feito em seguida, foi um sucesso. O cirurgião Christiaan Barnard e sua equipe se transformaram em celebridades mundiais. Menos Naki, que por ser negro era proibido de dar entrevistas e de sair nas fotografias da equipe.

Quando, por um descuido dos agentes do apartheid, Naki apareceu em uma foto com os colegas da equipe médica, a direção do hospital foi obrigada a informar à imprensa que ele era um funcionário do serviço de limpeza. Apesar da repercussão negativa que esse triste episódio teve no meio acadêmico, ele não se abateu e continuou transmitindo os seus conhecimentos aos jovens estudantes brancos.

O homem que ensinou cirurgia por mais de 40 anos, e que foi um dos principais responsáveis pelo sucesso do primeiro transplante de coração num ser humano, se aposentou em 1991 como jardineiro com um salário de 275 dólares ao mês. Com o fim do apartheid, sua história se tornou conhecida mundialmente. Porém, ele nunca reclamou das injustiças sofridas ao longo da vida.  Hamilton Naki faleceu em 2005, na Cidade do Cabo.

Nota do autor: Conheci essa bela história em 2006, através do professor Rogério Buchala. E só a publiquei porque entendo que o presidente interino Michel Temer errou feio em não nomear mulheres e negros em sua equipe ministerial. Aliás, o Brasil tem a segunda maior população negra do mundo, perdendo somente para a Nigéria. Obs: Como este texto é fruto de uma pesquisa extensa, ele contém pequenos trechos transcritos dos escritos originais.

Londrina é servidor público municipal e jornalista profissional (Mtb 35079).

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