Vereadores propõem anteprojeto que busca neutralidade em sala de aula, em Adamantina
Proposta levanta questionamentos de inconstitucionalidade, conforme casos semelhantes no país.

NOTA | A versão do anteprojeto de lei recebida nesta quarta-feira (3) pelo Siga Mais traz a vereadora Gabi Calil como autora. Todavia, na tarde desta quinta-feira (4) a parlamentar fez contato com a redação informando outros três vereadores também assinam a iniciativa: Mary Alves (NOVO), Marta de Almeida Bezerra (PSD) e Cid Santos (NOVO). A leitura do anteprojeto no plenário da Câmara, na última segunda-feira (1), conforme registro em vídeo, mencionou apenas a vereadora Gabi como autora. Os nomes que coassinam foram incluídos depois. A versão publicada posteriormente no site da Câmara atribui aos quatro a respectiva autoria.
Assim, o Siga Mais republica o conteúdo jornalístico mantendo o mesmo teor acerca do tema, com versão atualizada para a autoria conjunta.
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A Câmara Municipal de Adamantina recebeu nesta segunda-feira (1) o Anteprojeto de Lei nº 003/2025, de autoria dos vereadores Gabi Calil (PRD), Mary Alves (NOVO), Marta de Almeida Bezerra (PSD) e Cid Santos (NOVO), que propõe estabelecer diretrizes para assegurar a pluralidade de ideias, a imparcialidade pedagógica e o respeito às convicções dos alunos nas escolas públicas e privadas da cidade.
Em sua ementa a proposta legislativa “Estabelece diretrizes para a promoção da pluralidade de ideias, a imparcialidade e o respeito às convicções dos alunos no ambiente escolar das instituições de ensino do Município de Adamantina, sejam públicas ou privadas, e dispõe sobre a prevenção de condutas de influência político-partidária indevida em sala de aula”.
Entre os principais pontos da proposta, o texto prevê que professores devem manter postura imparcial em sala de aula, evitando induzir os estudantes a posicionamentos político-partidários, ideológicos ou eleitorais. Também assegura aos pais e responsáveis o direito de serem informados previamente sobre conteúdos que envolvam temas morais, sexuais, religiosos ou ideológicos. Além disso, veda o uso do ambiente escolar para a promoção de interesses partidários, autoriza a fixação de cartazes com os princípios da lei e estende essas diretrizes às escolas privadas. Na justificativa, a autora sustenta que a medida não busca censurar a atividade docente, mas prevenir abusos e fortalecer o espaço escolar como ambiente plural, ético e crítico.
A iniciativa, no entanto, levanta questionamentos jurídicos e constitucionais, pois apresenta semelhanças com projetos já declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em iniciativas semelhantes no âmbito do movimento “Escolas Sem Partido”.
O que diz o anteprojeto de lei?
O texto do anteprojeto apresentado pelos quatro vereadores em Adamantina prevê que professores devem manter conduta de imparcialidade ao tratar de conteúdos em sala de aula, vedando a utilização do espaço escolar para promoção de interesses político-partidários. Também estabelece que pais e responsáveis tenham direito de serem informados previamente sobre conteúdos relacionados a temas morais, sexuais, religiosos e ideológicos.
Apesar de argumentar que não pretende censurar professores, mas apenas garantir equilíbrio e transparência, a proposta encontra barreiras jurídicas. Especialistas apontam que, ao impor padrões de “imparcialidade” e condicionar conteúdos à manifestação prévia das famílias, o projeto pode limitar a liberdade de cátedra dos docentes e induzir a autocensura no ambiente escolar.
As justificativas apresentadas pelos vereadores
O texto do anteprojeto de lei traz a justificativa para a proposta. Veja a íntegra da mensagem que acompanha a pauta legislativa, assinada pelos vereadores autores:
“Este Projeto de Lei visa assegurar que o ambiente escolar seja pautado pela pluralidade de ideias, pelo respeito às convicções das famílias e pela imparcialidade pedagógica, em conformidade com os princípios do art. 206 da Constituição Federal e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/1996). A proposta não busca restringir o livre exercício da docência, mas sim prevenir condutas de influência político-partidária indevida em sala de aula, preservando o caráter plural e crítico da educação. Trata-se de garantir que os alunos recebam informações objetivas e diversas, tendo a oportunidade de construir seu próprio pensamento crítico, sem direcionamento unilateral. Cabe às famílias a orientação moral, política e religiosa dos filhos, enquanto às instituições de ensino compete assegurar um espaço pedagógico plural, ético e livre de favorecimentos ideológicos. Assim, este projeto fortalece a confiança entre escolas, alunos e famílias, promovendo uma educação que respeite a Constituição, a autonomia dos estudantes e os valores da sociedade adamantinense”.
Leia abaixo mais informações com os argumentos defendidos pelos autores da proposta.
Repercussões e desdobramentos de iniciativas semelhantes
O STF já analisou leis semelhantes, conhecidas popularmente como iniciativas do movimento “Escola sem Partido”, aprovadas em câmaras municipais e assembleias legislativas. Em todas as ocasiões, a Corte considerou as normas inconstitucionais por três razões principais.
A primeira delas por entender haver usurpação da competência da União, que detém exclusividade para legislar sobre diretrizes e bases da educação. O STF também pontuou violação à liberdade de ensinar e aprender, prevista no artigo 206 da Constituição Federal.
E o terceiro aspecto, o STF entende haver restrição indevida ao direito dos alunos de terem acesso a uma educação plural e crítica.
Entre os casos mais emblemáticos, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 457 (que derrubou lei de Alagoas) e a ADPF 526 (que analisou proposta semelhante em Goiás) consolidaram o entendimento de que cabe à União, e não a estados ou municípios, definir parâmetros pedagógicos.
Pontos polêmicos no anteprojeto adamantinense
Especialista no tema consultado pelo Siga Mais pontuou que o anteprojeto de lei estaria alinhado em parte aos princípios constitucionais de pluralidade e respeito à liberdade de crença (art. 206, CF). Contudo, extrapolaria a competência legislativa do município (art. 22, XXIV, CF), pois interfere nas diretrizes gerais da educação. Os municípios podem suplementar a legislação federal e estadual (CF, art. 30, VI), mas sem contrariá-las.
Ainda de acordo com análise preliminar do especialista no tema, a proposta violaria a liberdade de cátedra (art. 206, II, CF), ao impor padrões subjetivos de imparcialidade e ao condicionar conteúdos à prévia manifestação dos pais. O profissional visualiza alta probabilidade de ser declarado inconstitucional, seguindo precedentes do STF contra legislações de “Escola sem Partido”.
Em Adamantina, se o projeto avançar e chegar a ser aprovado, a tendência é de que possa ser questionado judicialmente, reproduzindo o cenário observado em outros municípios brasileiros. Embora o texto busque reforçar valores como pluralidade e respeito às convicções familiares, sua forma de regulamentação contraria dispositivos constitucionais já pacificados pela jurisprudência do STF.
Assim, o debate em torno do anteprojeto deve ir além da intenção política ou social: envolve diretamente os limites da atuação legislativa municipal e os princípios constitucionais que norteiam a educação no país.
Saiba mais
A mensagem onde a autora justifica o anteprojeto de lei traz um agrupamento de argumentos, em tópicos, sobre o tema. Veja cada um deles, reproduzidos na íntegra, conforme o texto legislativo apresentado na Câmara Municipal de Adamantina:
Educação sem Influência
Este documento apresenta os fundamentos jurídicos e constitucionais que amparam o Projeto de Lei, que estabelece diretrizes para a promoção da pluralidade de ideias, a imparcialidade e o respeito às convicções dos alunos no ambiente escolar das instituições de ensino do Município de Adamantina.
1. Fundamento Constitucional
O projeto reafirma os princípios já previstos no art. 206 da Constituição Federal:
II – Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar.
III – Pluralismo de ideias e concepções pedagógicas.
VI – Gestão democrática do ensino.
Argumento: Este projeto não limita a liberdade de cátedra. Pelo contrário, garante que a liberdade de ensinar venha acompanhada do dever de pluralidade e imparcialidade, como determina a própria Constituição.
2. Alinhamento à LDB (Lei nº 9.394/1996)
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação já exige que a educação nacional respeite pluralidade e diversidade de concepções pedagógicas. O projeto municipal apenas suplementa essas diretrizes no âmbito local, o que está dentro da competência do município (CF, art. 30, VI). Argumento: Estamos apenas suplementando a LDB, reforçando que a educação em Adamantina deve seguir os mesmos princípios nacionais: pluralismo e respeito à liberdade do aluno e da família.
3. Não é censura – é prevenção de abuso
O texto não proíbe o professor de ensinar política, história, economia ou filosofia. Ele apenas orienta que os conteúdos sejam tratados de forma isonômica e objetiva, sem imposição de opinião pessoal. O professor continua livre para ensinar; o aluno continua livre para aprender. Argumento: Este projeto não proíbe conteúdo algum. Apenas assegura que os alunos tenham contato com todos os pontos de vista, e não apenas com a visão pessoal de um educador.
4. Respeito à autonomia das escolas particulares
Diferente de versões anteriores derrubadas pelo STF, esta lei não interfere no currículo das escolas privadas. Ela apenas exige transparência e pluralidade, princípios que já constam na Constituição.
Argumento: As escolas particulares seguem autônomas. O que pedimos é que, quando tratem de temas políticos ou ideológicos, façam isso com transparência e pluralidade, sem indução de pensamento.
5. Proteção da família e do estudante
O projeto assegura que a formação moral, política e religiosa é papel da família. A escola deve oferecer informação plural, não indução ideológica. Argumento: Este projeto não é contra o professor, nem contra a escola. Ele é a favor do aluno e da família, garantindo que a educação em Adamantina seja livre, plural e respeitosa.
Resumo Estratégico
Não é censura, é pluralidade.
Não tira a liberdade do professor, apenas evita abuso de posição de autoridade.
Não proíbe ensinar política, apenas exige que seja feito de forma objetiva e imparcial.
Está alinhado à Constituição e à LDB.
Valoriza o papel da família na formação dos filhos.