Crise: maioria dos gestores prefere o comodismo e age na periferia do problema
SIGA MAIS entrevista o especialista em administração pública, Antonio Moreno.

O cenário de crise, o principal argumento dos administradores diante das dificuldades financeiras vividas pelos municípios brasileiros, não pode ser tratado como uma situação que decorra, exclusivamente, do atual momento. É reflexo, também, de outros fatores, que ao longo dos anos – e das décadas – têm contribuído para o cenário visto hoje.
A máquina pública pode ser vista como um quebra-cabeças, que hoje está desmontado sob a mesa dos gestores públicos. Cada peça reúne um aspecto das dificuldades conhecidas hoje. E está difícil remontá-lo: há peças que não se encaixam mais.
Para falar sobre o assunto, que atinge de maneira genérica praticamente a totalidade dos municípios brasileiros, o SIGA MAIS procurou o contabilista e orçamentista público Antonio Moreno. Ele trabalha há mais de 42 anos na área da administração pública. Já exerceu os cargos de Secretário de Administração, de Finanças e Planejamento. É pós-graduado em Planejamento e Gestão Municipal pela UNESP e diretor da empresa GEPAM (Gestão Pública, Consultoria e Auditoria em Administração Municipal). “Nos longos anos que trabalho no setor público não me lembro de nada pior”, disse. “A maioria dos gestores se nega a enfrentar com responsabilidade essa grave crise, preferindo o comodismo ou agindo na periferia do problema”, continua Moreno.
Leia, a seguir, a íntegra da entrevista.
Em algum outro período, uma crise como essa foi tão evidente? Ou é uma crise sem precedentes na história recente do Brasil?
Antônio Moreno - Já tivemos momentos difíceis no Brasil, no entanto, nos longos anos que trabalho no setor público não me lembro de nada pior. A crise chegou a todas as esferas. As empresas vivem o terror da diminuição brusca da atividade econômica e da volta da inflação. Infelizmente, essa é uma realidade, já que existe também o fator da crise política que afeta profundamente a economia.
Como as prefeituras estão se mobilizando para esse enfrentamento?
Antônio Moreno - De uma forma geral, a maioria dos gestores se nega a enfrentar com responsabilidade essa grave crise, preferindo o comodismo ou agindo na periferia do problema. Faltam coragem e determinação. Alguns se limitam a medidas paliativas de pouco reflexo financeiro. O momento é extremamente delicado e exige a participação de todos, inclusive do Legislativo.
Transferências de responsabilidades dos governos federal e estadual, aos municípios, é um fator de preocupação?
Antônio Moreno - Sim, isso é fato. Os governos municipais foram assumindo compromissos sem os devidos estudos de impactos orçamentário-financeiros, não exigindo dos governos federal e estadual a contra partida. Foi assim, com a saúde, merenda, creches, vigilância sanitária, saúde da família, Agentes Comunitários, UPA, SAMU, etc. Neste momento de crise, a situação tende a piorar, vez que o governo federal já anunciou medidas de cortes para equilibrar o seu orçamento deficitário, o que comprometerá ainda mais os cofres dos municípios, que, diante das obrigações assumidas com amparo federal, agora se vêm obrigados a ter de suportar, em parte, sozinhos tais despesas. Na verdade, tínhamos que discutir o pacto federativo, exigindo a distribuição dos recursos proporcionalmente à população e aos serviços prestados por cada ente. Isto porque, a população vive nos municípios, então, nada mais justo que a divisão de receitas seja feita em proporção que melhor atenda as necessidades locais.
Quais os principais gargalos de despesas, nas administrações municipais?
Antônio Moreno - Na maioria dos municípios, o percentual de comprometimento com a folha de pagamento e os encargos patronais está próximo ao índice máximo permitido pela lei de responsabilidade fiscal, que é de 54% em relação à receita corrente. Noto que a baixa produtividade está presente cada dia mais no serviço público e o responsável por isso é a estabilidade garantida pela Constituição e a falta de perspectivas de crescimento na carreira. Aliado a isso, faltam aos prefeitos coragem para tomar decisões. Agem de forma amadora e clientelista, limitando-se a pequenos cortes, enquanto o momento exige medidas mais radicais como: mudança do regime jurídico dos servidores, deixando o da CLT e adotando o estatutário, redução e/ou junção de secretarias e departamentos, suspenção de festas e eventos, terceirização de serviços ou até privatização.
Em âmbito nacional, a crise é mais econômica, que política? Uma pode potencializar a outra?
Antônio Moreno - A crise é politica e econômica, e piora a cada dia por conta das ações do governo. A Presidente para se eleger, deu um golpe na população, mentindo que o país estava a mil maravilhas, que não aumentaria impostos e nem retiraria conquistas sociais. Fez tudo ao contrário. Cometeu “pedaladas fiscais”, a corrupção tomou conta do seu partido e levantou dúvidas sobre a sua eleição. Diante desse quadro, a inflação voltou, a dívida pública cresceu, o desemprego aumentou e todos estão sofrendo. As pessoas não consomem, as empresas não vendem e, portanto, os governos não arrecadam tributos. Penso que a situação ainda pode piorar. Falta a esse governo credibilidade para governar.
O papel do poder legislativo, nas cidades, tem sido consciente, nesse cenário de crise? Ou o poder legislativo dos municípios, como um todo, está desconectado da realidade em cada localidade?
Antônio Moreno - Viajando pelo Estado, noto que muitos vereadores estão desconectados da realidade e ficam assistindo tudo de camarote, como se o problema não fosse deles, esquecendo que representam a população. Pouco faz para reduzir suas despesas, pelo contrário, a cada sessão camarária apresentam diversos pedidos que aumentam as despesas ou querem reduzir receitas. Em várias localidades, os vereadores têm direito a assessores, carros e diárias.
Quais reflexos essa crise pode trazer para prefeituras e prefeitos, neste ano de 2015?
Antônio Moreno - Nas Prefeituras, a queda na arrecadação dos repasses do governo federal, o desaquecimento do comércio, o aumento na inadimplência do IPTU e ISS e o corte nos repasses do FUNDEB é fato e vem comprometendo os investimentos, o andamento das obras e a prestação de serviços. Cresce a inadimplência junto aos fornecedores e levando ao atraso no pagamento dos salários dos servidores. A despesa com pessoal está no limite legal e a maioria das Prefeituras fechará com déficit financeiro e orçamentário. Os prefeitos terão enorme desgaste politico, vez que terão de suspender serviços e fazer cortes. Terão que lidar com o pleito do reajuste salarial dos servidores que pedirão a reposição da inflação, que beira 10%, sendo que a maioria não poderá conceder. O provável déficit financeiro e orçamentário levará ao parecer desfavorável por parte do Tribunal de Contas e, com isso, o gestor ficará com a “ficha suja”, podendo impedi-lo de disputar novas eleições.
Agentes de fiscalização, sobretudo os tribunais de contas, têm se mostrado sensíveis a essa realidade, ou mantém uma postura técnica e irredutível, quanto ao cumprimento das responsabilidades fiscais?
Antônio Moreno - O Tribunal de Contas deve seguir as normas legais. A Lei de Responsabilidade Fiscal contempla as ações que os gestores devem tomar em caso de queda da receita e excesso com os gastos com folha de pagamento. Não acredito em complacência por parte dos órgãos de fiscalização.
Qual a grande lição que essa crise deixa para prefeituras e aos administradores públicos?
Antônio Moreno - Temos de trabalhar com planejamento, estabelecendo os programas, as ações e as metas a serem perseguidas. Infelizmente, notamos a falta de conhecimento em gestão pública, onde os prefeitos assumem novos serviços sem discutir primeiro se, de fato, é necessário e qual é a fonte de financiamento. A administração deve buscar a eficiência, transferindo para a iniciativa privada parte dos serviços por ela prestada, reduzindo o tamanho da máquina pública. O papel do setor público deve se limitar à normatização dos serviços e criar mecanismos eficientes de controle. Pode parecer utópico, mas acredito no conceito de um gerente de cidade, onde o técnico trabalharia, buscando a eficiência e a produtividade com métodos lógicos e não através de tentativa e erros. A permanência do gerente no cargo dependeria dos resultados alcançados.
E sobre o perfil daqueles que ontem eram candidatos e hoje, no exercício do mandato, desempenham funções públicas, como prefeitos e vereadores. Há como aprimorar o processo de escolha dos candidatos?
Antônio Moreno - Penso que temos de mudar a forma de escolher os prefeitos e vereadores. Se, para dirigir uma moto ou um pequeno carro, a pessoa deve estudar legislação, fazer aulas práticas e passar por provas, porque para ser vereador ou prefeito basta ser alfabetizado? Vemos pessoas que não têm a mínima condição de legislar ou administrar. Muitos nem leem os projetos de leis ou se leem, não entendem o que está sendo votado. Temos que criar um sistema de cursos, no mínimo anual, onde se estudaria sobre gestão pública e, somente os aprovados, estariam aptos a disputar as eleições. Basta de amadorismo!