ClÃnica de Repouso abre nova fase com conselho diretor externo e realinhamento de serviços
Primeiros traços da proposta foram apresentados hoje. Lançamento oficial será dia 21 de março.

Uma nova etapa da mobilização pelo não fechamento da Clínica de Repouso Nosso Lar de Adamantina, e o realinhamento de seus serviços na área de saúde mental, foram conhecidos hoje, em uma reunião convocada pela juíza da 3ª Vara da Comarca de Adamantina, Ruth Duarte Menegatti, acompanhada do promotor de justiça Rodrigo de Andrade Figaro Caldeira.
Participaram ainda representantes da Clínica de Repouso, religiosos, autoridades ligadas à Prefeitura de Adamantina, Câmara Municipal e UniFAI, Polícia Militar, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e colaboradores.
Depois da saudação inicial realizada pela juíza e pelo promotor, os trabalhos foram conduzidos pelo consultor Nelson Fernandes Júnior, contratado pelo Ministério Público para uma auditoria nas contas e documentos da instituição, por conta de um inquérito civil em curso no Ministério Público da Comarca de Adamantina.
A proposta do encontro, nesta sexta-feira, foi a apresentação inicial da proposta de realinhamento institucional da Clínica de Repouso Nosso Lar, visando a redefinição dos serviços prestados na área de saúde mental, buscando sensibilizar a sociedade, com vistas a garantir o não fechamento do lugar, que traria reflexos em toda a região.
Mesmo com a reunião preliminar, nesta sexta-feira, ficou marcado para o próximo dia 21 de março, o lançamento oficial da nova proposta, e o novo nome para a instituição.
O novo projeto para a Clínica de Repouso
A Clínica de Repouso Nosso Lar se orienta por uma perspectiva organizacional que segue os primeiros modelos de atenção à saúde psiquiátrica, concebidos na década de 30 e remodelados, sobretudo, na década de 90.
O desafio central da mobilização é promover o engajamento comunitário que permita a implantação de um novo projeto para a Clínica de Repouso, que passa, sobretudo, pela redefinição de seu papel na atenção à saúde mental, e uma atuação integrada com outros serviços da saúde pública, nessa especialidade.
A construção dessa nova dinâmica passa pelo abrigo externo a praticamente um terço dos pacientes – em média são 140 no total. Esse um terço corresponde àqueles que residem na Clínica, no ambiente hospitalar, desde crianças. Todavia, a permanência deles no hospital contraria as novas diretrizes da atenção à saúde mental, já que poderiam estar alojados em residências terapêuticas com os recursos específicos para esse grupo. Seriam abrigados em residências terapêuticas instaladas em Adamantina aqueles pacientes locais, enquanto os demais precisariam ser abrigados em suas cidades, o que vai demandar uma articulação específica com cada localidade.
O outro um terço envolve pacientes que estão na Clínica sob ordem judicial, por diversos fatores, sobretudo para evitar riscos a si próprios e a terceiros. E a última parte envolve aqueles internados sob a perspectiva dos transtornos mentais e dependentes de álcool e drogas.
Assim, havendo o remanejamento daqueles com perfil para conviver em uma residência terapêutica, os demais ficariam na instituição, porém dentro de uma nova dinâmica de atenção à saúde mental.
Dentro dessa nova proposta foi sinalizada a possibilidade de que a Clínica opere os serviços dessas residências terapêuticas locais, a um custo menor do que aquele mensurado pela estrutura pública, pelo fato da instituição ter título de filantropia, o que minimiza a carga tributária que incide sobre o trabalhador, permitindo assim um ambiente econômico mais vantajoso ao poder público. A economia pode chegar a 60% e não sobrecarrega a folha de pagamento da prefeitura, dentro das limitações legais da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Assim – até então – segundo o consultor Nelson Fernandes Júnior, o que se propõe envolve a reorganização dos serviços, sem a necessidade de complementação de recursos públicos, além daqueles já disponibilizados para esses serviços. E se buscará, também, novos credenciamentos dentro da política nacional de atenção à saúde mental, do Ministério da Saúde.
Nesse desafio da reorganização institucional, existe a expectativa para que a UniFAI, por meio do curso de medicina, tenha uma atuação presente. A proposta é que 20 leitos sejam credenciados com leitos de hospital-escola. Presente à reunião, o diretor da UniFAI estendeu também os cursos de outras áreas, para envolvimento nesse projeto.
CAPS 24 horas
Outro ponto destacado pelo consultor Nelson Fernandes Júnior é a possibilidade de uma articulação regional pela instalação de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) 24 horas, como o já existente em outras cidades. Esse serviço ambulatorial minimizaria os encaminhamentos para internações, já que o paciente é assistido, dentro de um protocolo específico, priorizando a convivência dentro do próprio núcleo familiar, o que é mais positivo à sua recuperação e qualidade de vida.
A costura para sensibilizar a região visando a instalação de um CAPS 24h ainda vai ser iniciada, no âmbito do grupo de gestores que integram a microrregião.
R$ 30 milhões em dívidas
No encontro foi reiterado o montante das dívidas contraídas pela Clínica de Repouso Nosso Lar, que chegam a R$ 30 milhões. Sobre a origem e característica dessa dívida, o consultor Nelson Fernandes Júnior explicou que 80% desse montante são provenientes de encargos sociais não recolhidos à União, e o restante, em sua maioria, provenientes de ações trabalhistas. E para garantir as execuções trabalhistas, há bens, equipamentos e terrenos penhorados.
De 1969 a 1980 a Clínica atuou como um ambulatório de saúde mental, e a partir de 1980, como unidade hospitalar, conseguindo o reconhecimento como instituição filantrópica somente em 2012. Nesse período, de 1980 a 2012, funcionou sem os benefícios da filantropia, sendo que toda a dívida com encargos sociais foi contraída nessas mais de três décadas.
Funcionários foram elogiados
A atuação dos funcionários da Clínica de Repouso Nosso Lar foi elogiada por todos, sobretudo pela dedicação ao trabalho. Foi exposto que os funcionários estão sem receber o 13º de 2013 a 2016, e sem o benefício das cestas básicas desde 2003. “E estas pessoas estão aqui. Há vontade de trabalhar. Percebe-se a humanidade transpirando, apesar da escassez de recursos”, disse o consultor Nelson Fernandes Júnior, reforçando que não há práticas de maus tratos aos pacientes.
A juíza Ruth Duarte Menegatti também falou sobre o engajamento dos funcionários. “Os senhores são heróis”. Ela citou ainda que muitas vezes os funcionários atuaram sozinhos, sem a diretoria, pela sobrevivência do serviço e da atenção aos pacientes.
TAC: gestão compartilhada
Um dos desdobramentos do inquérito civil que tramita no Ministério Público local, e que foi revelado no encontro desta sexta-feira, é a celebração de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), em fase de elaboração, que traz um acompanhamento externo às ações da Clínica de Repouso, por meio de um conselho diretor com representantes dos poderes locais instituídos e da sociedade civil – cerca de 12 representatividades. Esse formato tira a Clínica do isolamento e traz a comunidade a participar.
Já as rotinas internas serão geridas por um comitê de administração, formado por um grupo de funcionários de reconhecida atuação, que já carregam e assume atribuições que deveriam ser da direção.
Não há desonestidade
O inquérito civil que tramita no Ministério Público foi instaurado a partir da suspeita de desvio de recursos e outras situações que pesavam sobre a direção da Clínica de Repouso, o que foi descartado pelo consultor Nelson Fernandes Júnior, contratado para realizar auditoria nos documentos e contabilidade da instituição. “Podemos afirmar que desonestidade não há”, disse. As falhas eventualmente ocorridas se deram por amadorismo da direção, mas sem intenções de cometer erros.
Fechar não: transformar
A hipótese pelo fechamento da Clínica de Repouso está descartada. Pelo menos é essa a vontade daqueles diretamente envolvidos nessa mobilização. O caminho para a transformação da instituição, dentro de um novo modelo, passa pela mobilização dos recursos humanos disponíveis e todo o know-how na prestação desses serviços, que podem ser canalizados para a superação desse modelo de internação psiquiátrica.
Essa nova dinâmica, considerando todas as frentes de atuação, com os serviços pactuados, pode multiplicar em seis vezes o número de atendimentos a pacientes mentais, considerando os cerca de 140 mensais realizados hoje apenas pela Clínica de Repouso, com reflexos diretos na ampliação desses serviços, para toda a população regional.
Esse esforço já foi levado ao Coordenador Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde, com quem o consultor Nelson Fernandes Júnior manteve contato semana passada. “Em princípio, o coordenador deu o aval para transformar a Clínica em um projeto piloto para cidade de pequeno porte, para depois se tornar referência nacional para implantação em outras localidades”, relevou.