Cardim: “A questão do dinheiro não é problema. O problema é o planejamento”.
Márcio Cardim traça caminhos estratégicos para a consolidação da FAI.
Não basta ter assegurado que há fontes de recursos para o custeio e investimentos, mas é imprescindível que esse dinheiro seja bem gasto. O que permite a tomada de decisões com segurança é o planejamento. E desse quesito, o diretor geral da FAI, Márcio Cardim, não abre mão, no gerenciamento de um orçamento que para 2016 é de R$ 46 milhões e pode chegar a quatro anos em R$ 90 milhões. “Acho que a questão do dinheiro não é problema. O problema é o planejamento. Por isso precisamos planejar muito bem e tomar cuidado. Mas seria pior que não estivéssemos nessas condições”.
Em entrevista ao SIGA MAIS, Márcio avalia a estrutura hoje, fala das limitações, dificuldades e, sobretudo, dos desafios que têm pela frente. Reconhece que a experiência dramática com trotes dos estudantes no ano passado trouxe lições e aprendizado, pontua a questão dos recursos humanos, sobretudo na equipe pedagógica, como sendo uma área que precisa ser trabalhada, e compara a uma ferida, que ao ser tocada, pode se curar ou trazer novas dificuldades e complicações.
Um dos desafios é promover uma reengenharia no quadro pedagógico, envolvendo a própria estrutura, e buscando profissionais com expertise em ensino, pesquisa e extensão, no Brasil, condição primordial para a consolidação institucional e acadêmica, para se chegar ao status de centro universitário e logo depois, transformar-se em universidade.
Visada, a FAI desperta interesses diversos, bons e ruins. E nessa lógica, destaca: “Não podemos deixar que uma instituição de ensino superior, nessa trajetória que a FAI está indo, se torne um palanque político. Se isso acontecer, é a desgraça total da instituição. Ela tem que caminhar com suas próprias pernas, e cada vez mais, buscar pessoas capacitadas”.
No comando da FAI, Márcio Cardim vivencia os desafios da gestão pública, em uma instituição de ensino superior que cresce e se torna referência para o país. Em paralelo, ocupa assento como Conselheiro, no Conselho Estadual de Educação, nomeado pelo Governador Geraldo Alckmin.
A FAI retoma suas aulas e nos faz lembrar os problemas vividos há um ano com o trote praticado por veteranos, sobre os calouros. Essa situação foi superada?
Márcio Cardim | A questão do trote que ocorreu no início de 2015 foi totalmente superada. Tivemos um projeto de lei proposto e aprovado pela Câmara Municipal, que deu uma sustentação muito grande para a diretoria conscientizar os alunos. Tivemos o retorno das aulas no início de fevereiro e transcorreu tudo na santa paz e nenhum acidente. Os alunos veteranos se conscientizaram que tem que receber os calouros de uma forma amigável, agradável e promover o acolhimento, e não como era feito antes. A FAI passou por uma experiência que serviu de lição.
O curso de medicina trouxe novo fôlego e nova inspiração para a FAI. Quais perspectivas passa a trazer para Adamantina e região nas áreas do ensino e da saúde?
Márcio | No campo do ensino, é um curso muito importante. Toda instituição gostaria de ter um curso deste. No Estado de São Paulo são 32 instituições de ensino superior e até o momento, somente 7 têm o curso de medicina, entre as quais as grandes instituições, como por exemplo a Universidade de Taubaté, Universidade de São Caetano, e os centros universitários de Franca e São João da Boa Vista. Então, realmente, uma faculdade como a FAI, conseguir um curso de medicina, foi uma das maiores conquistas e certamente um divisor de águas para o ensino da nossa instituição. O que vai agregar para os demais cursos é algo que alguns setores da própria estrutura não conseguiram dimensionar, porque todos os investimentos que foram e serão realizados para o curso de medicina também serão absorvidos pelos demais cursos, que irão se beneficiar com o ensino de medicina. Um exemplo disso é o início da instalação do centro de simulação realística e um novo laboratório de anatomia, ainda este ano, no campus 2, onde todos os demais cursos, por exemplo, farão uso desses laboratórios. Na realidade, teremos um acréscimo na qualidade de ensino para todos os cursos da FAI, seja na estrutura, no corpo docente, em laboratórios, e outras áreas.
Como as demais áreas da estrutura da FAI absorveram as decisões pelos investimentos no curso de medicina? Foi fácil administrar essa canalização de esforços, nesse momento, para a estruturação desse curso?
Márcio | Tem sido fácil, porque estamos sensibilizando a todos sobre essas perspectivas, envolvendo professores e os estudantes. Esse curso veio para agregar, e não para subtrair. Todos perceberam isso e estão vendo que o curso de medicina vai contribuir para o crescimento da FAI. O laboratório de anatomia, por exemplo, tem recebido importantes melhorias e investimentos, desde o ano passado, com o início do curso de medicina, sobretudo com a aquisição de novas peças humanas, que estão sendo enviadas à FAI em razão desse novo curso. Foram cinco novos cadáveres no ano passado e para estes mês receberemos mais dois. Na semana passada tivemos um curso de dissecção de cadáveres, com professores da USP de São Paulo, onde todos os cadáveres foram preparados pelos alunos do curso de medicina, e ficarão à disposição de todos os cursos que têm disciplina de anatomia. Sem o curso de medicina, essas peças não seriam viáveis. As instituições não estariam fazendo essas doações à FAI.
Obras e investimentos da FAI, como um todo: quais são os projetos de curto prazo previstos?
Márcio | Para este ano estamos já preparando uma licitação para a construção do bloco 5, no campus 2. Esse bloco é importante porque precisamos de novas salas de aula. Hoje todas as salas de aula do campus 2 estão totalmente ocupadas no período noturno. Isso traz dificuldade, por exemplo, para a ampliação de novos cursos, dentre os quais biomedicina e algumas engenharias. Estamos realizando estudos nesse sentido e vamos protocolar esses projetos de curso no Conselho Estadual de Educação. Para isso, precisamos de mais salas de aula e salas maiores. E precisamos também de um novo auditório, já que o único existente, no campus 2, não suporta o grande volume de atividades acadêmicas e da comunidade, requisitadas para acontecer naquele local, além do centro de simulação realística e o novo laboratório de anatomia. O centro de simulação realística, por exemplo, ocupará uma área de mil metros quadrados, se constituindo de um avançado laboratório onde os alunos, professores, atores e diversos profissionais - com a adoção de recursos e equipamentos - simulam situações reais de atendimento a pacientes. O aluno vai viver algo e se deparar com situações que exigirão uma reposta imediata, contribuindo assim para o seu processo de aprendizagem.
Há perspectiva de transferência da estrutura administrativa hoje no campus 1, par ao campus 2?
Márcio | Essa transferência não é tão simples porque a área do campus 1 é grande. A demanda hoje, prioritária, são essas novas salas de aula e novos laboratórios. Precisamos também de um restaurante universitário no campus 2, porque criamos agora uma vida universitária e precisamos dar condições para que o aluno fique ali. Muitos chegam cedo e vão embora à noite, e esse aluno precisa ter condições para ficar pelo campus. É difícil agora , nesse momento, construir um novo prédio administrativo no campus 2 que comporte a estrutura hoje existente no campus 1, mas num futuro, seria algo importante, porque lá [campus 2], está realmente a vida da FAI.
Quais os próximos passos da FAI em relação à sua expansão, consolidação e autonomia, sobretudo coma instituição alcançando o status de centro universitário?
Márcio |O centro universitário é um processo que já está tramitando junto ao Conselho Estadual de Educação e hoje faz parte da pauta do Conselho, desde a primeira reunião deste ano. Está sendo analisado e tenho certeza que será autorizado porque a FAI tem condições e está estruturada, pronta para se transformar em centro universitário. A questão de novos cursos também é importante para a consolidação da FAI e não podemos esquecer que o mercado é cíclico e precisamos acompanhar também suas tendências, porque os jovens fazem suas escolhas de curso superior, muito em função do que o mercado está oferecendo. Então não tem como se desvincular disso. Estamos programando os cursos de biomedicina, que vem somar-se ao curso de medicina, e precisamos também montar uma estrutura de cursos de engenharia mais forte dentro da instituição, pelo fato da engenharia ser o motor de desenvolvimento de qualquer país, e a FAI não pode ficar estanque a isso. Estamos fazendo estudos com cursos nas áreas de engenharia mecânica, engenharia elétrica, engenharia mecatrônica e por que não uma engenharia na área de medicina? Precisamos tocar esses estudos para a FAI não perder esse "time" e estar sempre se renovando.
Sobre a demanda pelo ensino à distância: a FAI quer atuar nesse nicho?
Márcio | O ensino à distância é também um fator importante para a consolidação da instituição. Acredito que o ensino à distância não vá, de forma alguma, acabar com o ensino presencial, porque o ensino à distância atinge um público que por diversos motivos não teve acesso ao presencial. E a oferta de um curso nessa modalidade, na FAI, é um fator importante. Nesse sentido, já encaminhamos o projeto junto ao Ministério da Educação , no ano passado, visando nosso credenciamento. Não vejo isso como um fator determinante para a sobrevivência da FAI, mas é importante, sobretudo para o futuro, não para o presente.
A estrutura da FAI está pronta para todo esse crescimento?
Márcio | O que precisamos melhorar, no meu ponto de vista, é a parte pedagógica Essa área é como uma ferida, e quando tocamos nela, pode ser curada ou pode abrir mais ainda. Normalmente se abre mais, porque envolve muitas pessoas, o ser humano, e isso torna o desafio ainda mais complicado e delicado, sobretudo para conseguir mudanças a curto e médio prazos. Essa é a parte principal da instituição e a mais difícil de lidar. O que a FAI precisa hoje é de ações pedagógicas. Temos excelentes laboratórios, os alunos utilizam, os professores são capacitados para ministrar seu conhecimento e o conteúdo das disciplinas, mas o problema não é esse. O que realmente as instituições têm dificuldade em administrar são as ações junto à comunidade. E é isso que faz com que o aluno venha para a instituição, com vontade de aprender e colocar em prática aquilo que os professores dão em sala de aula. A FAI ainda está aprendendo a fazer isso. Temos nossas clínicas, atendemos a população, mas não são suficientes para abranger todo o conhecimento que a FAI se propõe, dentro dos seus cursos, a passar aos seus alunos. Isso tem que ser expandido e estamos trabalhando para isso. E volto a repetir: o curso de medicina vem somar para isso. A partir do momento que você coloca as ações para a comunidade, não tem como deixar a saúde, que sempre está ali, atrelada. A própria utilização do campus 4 (campo da Acrea), que se dará a partir da próxima semana, permitirá a realização de várias ações, dentro desse objetivo de promover ações junto à comunidade, resolvendo problemas da comunidade e atrelando isso à prática acadêmica. Nesse espaço, o atletismo, o futebol e o beisebol são pano de fundo para desenvolvermos essas ações.
E para financiar todos esses investimentos em estrutura, recursos humanos e ações?
Márcio | Tudo que pretendemos executar envolve muito dinheiro. Envolve estrutura física e recursos humanos, e toda a estrutura. É uma roda que precisa girar e o combustível para movimentar essa engrenagem é o dinheiro. O ano de 2015 foi muito propicio para isso para 2016 temos aí um aumento na receita. Quando assumimos a direção da FAI a nossa receita orçamentária era R$ 17 milhões ao ano, e fechamos 2015 com R$ 32 milhões. Em quatro anos quase conseguimos dobrar as receitas. Para 2016 temos uma previsão orçamentária de R$ 46 milhões e ao longo dos próximos quatro anos a receita da FAI chegará em R$ 90 milhões. Acho que a questão do dinheiro não é problema. O problema é o planejamento. Por isso precisamos planejar muito bem e tomar cuidado. A FAI é como uma empresa, e quando uma empresa começa a crescer muito, os riscos também aumentam, juntos, pois há um número maior de pessoas envolvidas, mais investimentos e outras demandas. Por isso o cuidado e planejamento. Mas seria pior que não estivéssemos nessas condições. Volto a dizer: o curso de medicina vem somar a isso. E destaco que a FAI não é gerida por um curso, é uma instituição pública municipal, e cada curso tem que ter sua qualidade de ensino. Em linhas gerais vejo um crescimento da FAI, para os próximos quatro anos, de 300% do que ela é hoje.
Toda essa dinâmica de trabalho, avanços e desafios, o crescimento da FAI, o volume de recursos movimentados, geram desconforto entre políticos e outros, que buscam na FAI alguma forma de proveito. Isso de fato ocorre? E como você se orienta em meio a múltiplos interesses?
Márcio | Nesses vários projetos, precisamos de pessoas. A FAI sai de uma característica de uma faculdade e migra para um centro universitário, e com isso os objetivos mudam. O centro universitário precisa apoiar mais as pesquisas, ter mais projetos de extensão e, nesse sentido, esse projetos precisam ser ampliados. Vamos precisar de pessoas capazes, tituladas e competentes, para tocá-los. Estamos falando de uma academia, de um centro universitário, o que é muito próximo de uma universidade, sendo imprescindível buscar profissionais que tenham a "expertise" para desenvolver esses projetos, e que esses profissionais venham somar à instituição, na busca de recursos e na captação de dinheiro. Por isso não podemos deixar que uma instituição de ensino superior, nessa trajetória que a FAI está indo, se torne um palanque político. Se isso acontecer, é a desgraça total da instituição. Ela tem que caminhar com suas próprias pernas, e cada vez mais, buscar pessoas capacitadas. Então, não podemos colocar pessoas dentro da instituição porque são amigas ou parentes. É isso que a instituição precisa amadurecer, e nesse sentido deveremos abrir concursos de âmbito nacional, buscar pessoas do País que tenham condições de vir pra cá e fazer com que a instituição cresça. De que forma? Não é só dando aulas. Esse futuro profissional que a FAI precisa para poder ajudar a se sustentar e chegar a uma universidade, além de ministrar boas aulas, é imprescindível que tenham condições de buscar fomento à pesquisa, à extensão e ao ensino, o tripé que sustenta qualquer instituição que queira ter qualidade. É esse o grande desafio, para transformar a FAI em universidade.
E o que Adamantina pode esperar da FAI no cumprimento de seus objetivos e na sua gestão administrativa?
Márcio | Adamantina e região podem esperar muita coisa. A FAI sempre esteve pronta para atender essas cidades, com seus cursos, suas clínicas, e isso vem se consolidando ano a ano. Teremos que fazer, por exemplo, reformas e adequações na Santa Casa, em parceria com o hospital, para adequar aquela estrutura, e a população vai ganhar diretamente com isso, com melhorias no centro cirúrgico, UTI, ambulatórios e os atendimentos, para que nossos alunos consigam circular, propiciando assim um ensino de qualidade ao nosso aluno. Vamos precisar de recursos e já estamos em conversas com o deputado Mauro Bragato, que tem nos ajudado muito em todas as necessidades da FAI. Com esses investimentos e os reflexos na comunidade, a ideia é que Adamantina se torne um centro de atendimento, e muitos casos que vão para Marília e outros centros, possam ser atendidos aqui. Vejo que o futuro prevê isso, para nós. Precisamos trabalhar, fazer um trabalho político em relação a isso, e tomar as medidas necessárias para que a FAI lidere esse processo.