Cidades

Adoção: processo depende mais da disposição dos adotantes do que da atuação da Justiça, destaca juiz

Em entrevista ao Diário do Oeste, juiz da infância e juventude de Adamantina aborda sobre adoção.

Por: Da Redação | Com informações do Diário do Oeste atualizado: 27 de maio de 2022 | 11h21
Adoção de crianças tem ritos definidos pela legislação. Para juiz de direito, em Adamantina, processo depende mais da disposição dos adotantes do que da atuação da Justiça (Towbar por Pixabay). Adoção de crianças tem ritos definidos pela legislação. Para juiz de direito, em Adamantina, processo depende mais da disposição dos adotantes do que da atuação da Justiça (Towbar por Pixabay).

“Portanto, é um processo que depende mais da disposição dos adotantes do que da atuação do Sistema de Justiça”. Esse recorte da entrevista concedida ao jornal Diário do Oeste pelo juiz de direito Carlos Gustavo Urquiza Scarazzato – titular da 2ª Vara da Comarca de Adamantina e que também responde pela área da Infância e Juventude – destaca que a tramitação legal de um processo de adoção, em todas as suas etapas definidas pela legislação e cumpridas pelo Sistema de Justiça, seria o menor dos entraves àqueles que pretender adotar uma criança.

A reportagem especial foi publicada pelo Diário do Oeste nesta terça-feira (25), Dia Nacional da Adoção. NA entrevista o magistrado falou sobre o atual contexto do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNAA), que possui quase 10 mil crianças na fila para adoção, a maior parte delas com idade superior a cinco anos, o que muitas vezes não se enquadra no perfil pretendido pelos adotantes.

O juiz de direito Carlos Scarazzato (Foto: Milton Ura/No Click com o Senhor).

Ao Diário do Oeste o magistrado destacou inicialmente que o primeiro aspecto consiste em estabelecer, nos termos da lei, que as crianças somente se encontrarão aptas à adoção após uma decisão judicial que destitua os seus genitores do poder familiar. “E esta decisão é excepcional e tem lugar apenas depois de esgotadas todas as tentativas de se trabalhar toda a família extensa da criança para que se possa preservar a criança no contexto de sua origem. Trata-se, portanto, de um processo delicado e trabalhoso que, por isso, leva tempo”, explica.

Em sua entrevista o juiz ressalta que na grande maioria dos casos, os genitores – pai ou mãe – desejam manter os filhos consigo, embora tenham dificuldades em exercer as suas funções. “Portanto, o caminho legal é intervir nessa realidade para habilitar os genitores ao exercício de suas funções, ofertando o necessário para transpor as dificuldades que os impedem de exerce-las plenamente. Nesse contexto, é preciso verificar se a necessidade é assistencial, da saúde (física ou mental), ou de qualquer outra ordem”, pontua.

Ele explica que depois de esgotado este caminho é que se poderá cogitar da “destituição” do poder familiar e a criança será considerada apta à adoção apenas se os seus genitores ou a sua família extensa forem incapazes ou não desejarem de exercer a sua guarda. “Tudo isso porque a lei enfatiza a necessidade de se priorizar o convívio familiar. Assim, a Instituição, com o apoio da Rede Protetiva do município devem unir esforços no trabalho com as famílias, com foco na preservação dos vínculos familiares e promoção da reintegração familiar”, afirma.

(Imagem ilustrativa: Caleb Oquendo/Pexels).

O magistrado pontua que a natural demora na tentativa de reinserção familiar pode acarretar em um processo de destituição do poder familiar longo e, dessa forma, a criança ficará disponível para adoção já com uma idade mais avançada.

Segundo o Diário do Oeste, ele destaca ainda que, no caso das adoções tardias, normalmente crianças após os 3 anos de idade, existem singularidades e especificidades em que os adotantes apontam resistências ou preconceitos, como: acreditam que enfrentarão dificuldades na educação; acreditam que a institucionalização pode incutir maus hábitos na criança; preferem bebês acreditando ser mais fácil uma criança “sem história de vida”.

Conforme narrou o magistrado, no momento do primeiro contato da equipe técnica do Judiciário (assistente social e psicólogo) com os pretendentes já são abordadas todas as particularidades do processo de adoção, desde os documentos obrigatórios, a realidade local das crianças em situação de acolhimento e, esclarecimentos quanto ao tempo de espera na concretização da adoção, o que depende muito do perfil da criança traçado pelos pretendentes. “Embora tentemos sensibilizar e esclarecer as características do processo de adoção, temos que respeitar o desejo e as condições pessoais de cada pessoa que busca aumentar sua família, por meio da adoção, visando o sucesso deste processo”, diz.

Na Comarca de Adamantina, segundo a reportagem especial do Diário do Oeste, o número de pretendentes é muito maior que o de crianças disponíveis para a adoção, o que acarreta em uma demora no processo de adoção, tendo em vista que o foco principal sempre é a criança.

Leia a entrevista completa.

Como o senhor avalia este contexto?

Carlos Gustavo Urquiza Scarazzato: Em nossa Comarca, há um número bastante reduzido de crianças e adolescentes acolhidos, graças ao competente trabalho há muito realizado no Município, notadamente pela Instituição Solidária Carlos Pegoraro, que agregou, além do acolhimento em si, serviços de fortalecimento de vínculo e na área da educação, que reduzem situações de risco, diminuindo, em longo prazo, a necessidade de destituição do poder familiar.

Então, apesar de ser comovente a situação dos pretendentes que aguardam há muito pela tão esperada chegada de seu filho, avalio como positiva a situação local, em que há mais pessoas desejando adotarem, do que crianças a serem adotadas. É um indicador bastante positivo.

Existe um trabalho de conscientização para que os pretendentes possam mudar o perfil, aceitando crianças com idade mais elevada, com irmãos ou portadoras de algum tipo de deficiência?

Carlos Scarazzato: As habilitações dos pretendentes possuem validade de três anos, assim, antes de seu vencimento, a equipe técnica interprofissional do Judiciário realiza uma reavaliação dos pretendentes e do perfil desejado, momento em que é abordada e avaliada a disponibilidade de cada pretendente para uma possível ampliação do perfil, como sempre, respeitando as características e potencialidades das famílias.

Esta sensibilização, porém, tem limites. Há que se compatibiliza-la com as expectativas dos pretendentes que, se não forem bem trabalhadas, poderão ensejar experiências negativas que, na situação de adoção, são sempre preocupantes, eis que pode levar a criança a um novo “abandono”, com incalculáveis prejuízos ao seu desenvolvimento.

Portanto, é um processo que depende mais da disposição dos adotantes do que da atuação do Sistema de Justiça.

(Imagem ilustrativa: Daniela Dimitrova/Pixabay).

Qual o procedimento para adotar uma criança? Como é feita a seleção dos pais mais adequados dentro do perfil indicado?

Carlos Scarazzato: Atualmente, os pretendentes interessados em adotar podem realizar o pré-cadastro no SNA (Sistema Nacional de Adoção) por meio de formulário eletrônico e dirigir-se à Vara da Infância e Juventude da Comarca onde residem, portando o número do protocolo fornecido pelo Sistema no momento da inscrição. A outra opção é ir direto à Vara da Infância, onde serão atendidos pela equipe técnica que fará os esclarecimentos, orientará sobre os documentos necessários que acompanharão o requerimento para o processo de habilitação.

Dado início ao processo de habilitação, os autos são remetidos ao Setor Técnico para estudo e, no prazo de 45 dias, será apresentado parecer conclusivo a respeito do pedido. Encerrada essa fase, o Ministério Público terá vista dos autos e, em seguida, o pedido será decidido por sentença judicial e, a inscrição dos pretendentes é efetuada no Sistema Nacional de Adoção, em ordem cronológica, a partir da data da sentença.

O próprio Sistema Nacional da Adoção gerencia os cadastros nacionais dos pretendentes e das crianças e adolescentes acolhidos, realizando os cruzamentos das informações. São apresentados os pretendentes disponíveis para a criança, adolescente ou grupo de irmãos do Município, Estado, Nacional ou Internacional. Quando há compatibilidade entre os cadastros, o técnico, responsável pela criança/adolescente, ou mesmo o SNA realiza a vinculação entre ambos, oportunizando o início dos contatos entre as equipes técnicas e os pretendentes, visando uma possível aproximação.

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Qual o tempo médio de espera para a concretização de uma adoção? A pandemia, com a suspensão dos processos de aproximação, ampliou este período de espera?

Carlos Scarazzato: Não há como prever um tempo médio para a concretização de uma adoção, tendo em vista as características de cada caso. Um fator considerável, sem sombra de dúvidas, é o perfil da criança desejada pelos pretendentes. Atualmente, a maioria das crianças disponíveis à adoção compreendem a adoção tardia, pertencem a grupos de irmãos ou possuem condições de saúde que demandam tratamentos contínuos. Sim, a pandemia colaborou com o aumento do tempo de espera para processos de aproximação, tendo em vista a dificuldade em se trabalhar as famílias de origem das crianças que, como vimos, é um pressuposto à adoção.

(Imagem ilustrativa: Ratna Fitry/Pixabay).

Ainda existem casos de adoções fora do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento? Elas são legais? O casal que busca estes “atalhos” pode ser penalizado?

Carlos Scarazzato: Existem situações excepcionais de adoções dirigidas, como a adoção unilateral – quando um cônjuge ou companheiro adota filho do outro – e mesmo a polêmica adoção instituiu personae quando um ou ambos os genitores escolhem para quem entregarão o filho, normalmente associados a uma relação de afinidade.

Ressalvadas estas situações excepcionais, a burla ao Sistema Nacional de Adoção geralmente ocorre por meio da figura do “parto suposto” em que os adotantes declaram como alheio parto próprio, o que além de configurar crime, com pena de reclusão de dois a anos, expõe a criança à possibilidade de destituição dos pais biológicos, e afastamento daqueles que a obtiveram por meio ilícito.

Adamantina está criando um serviço de acolhimento familiar. Qual a importância desse trabalho e as diferenças para o processo de adoção? É indicado que pais cadastrados no SNAA participem desse tipo de programa?

Carlos Scarazzato: O Serviço de Acolhimento Familiar tem o objetivo de proteger crianças e adolescentes, que precisam ser afastados temporariamente de suas famílias de origem por situações de violação de direitos. O Programa de Acolhimento Familiar, quando instituído na comarca, terá preferência ao acolhimento institucional, sem perder de vista o caráter temporário e excepcional da medida, ou seja, o acolhimento se dará até que a situação seja resolvida, que seria retornar à família de origem, ir para a família extensa ou para adoção. O acolhimento é feito por meio de um termo de guarda provisória, concedida por ordem judicial.

A importância deste trabalho é possibilitar que a criança, enquanto com a Família Acolhedora, permaneça recebendo todos os cuidados em um ambiente familiar, diferente de uma instituição que, por melhor que seja, não proporciona as referências de cuidados como em uma convivência familiar. Para ser família acolhedora, a equipe técnica do Serviço de Acolhimento deverá preparar, orientar e treinar as famílias.

Importante deixar claro que o objetivo do acolhimento familiar não é habilitar as famílias acolhedoras para adoção e por isso elas não podem estar inscritas no Sistema Nacional de Adoção e vice-versa. É preciso que isso fique muito bem entendido pelas famílias que se interessem no referido Serviço, desde o momento da inscrição até os treinamentos e certificação delas para o acolhimento.

Suas considerações finais.

Carlos Scarazzato: Um dos pensamentos mais sábios que conheço sobre adoção me foi apresentado por um adamantinense ilustre: Roberto Honório de Oliveira, o Robertinho da Dengue. Segundo este pensamento, “todos os filhos devem ser adotados, sejam eles biológicos ou não”. Esta ideia sintetiza a ideia de adoção que é a criação de laços de amor, sem os quais não se estabelecem vínculos. Ou seja, a vínculo entre pai, mãe e filho não se constitui por questões biológicas. Se assim o fosse, não haveria tanto desafeto, tantas dificuldades. Então, se todo vínculo é um vínculo de amor, a origem biológica do filho tem muito pouca relevância.

E encerro com um questionamento: quando um casal opta por ter filhos biológicos, não é possível escolher o “perfil” de seus futuros filhos. Não sabemos se virão com problemas de saúde ou não, não sabemos o seu temperamento. Por que, então, quando pensamos em adoção, restringimos tanto o perfil do adotando? •  

Ferramenta nacional de busca ativa amplia possibilidades de adoção (*)

As crianças e adolescentes que aguardam por adoção no Brasil têm agora mais uma ferramenta para facilitar esse processo: trata-se da busca ativa nacional, que pode promover o encontro entre pretendentes habilitados e as crianças aptas à adoção que tiverem esgotadas todas as possibilidades de buscas nacionais e internacionais de famílias compatíveis com seu perfil no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA).

Lançada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nesta terça-feira (24), a primeira fase da funcionalidade vai permitir que as unidades judiciárias indiquem as crianças e adolescentes que estão disponíveis para busca ativa, com a possibilidade de inclusão de fotos e vídeos. Durante a 351ª Sessão Ordinária do CNJ, o presidente do Conselho, ministro Luiz Fux, destacou que a disponibilização será sempre precedida de autorização judicial e de manifestação de interesse do adolescente ou da criança, quando forem capazes de autorizar a utilização de dados e imagem.

Fux afirmou que o objetivo é impulsionar a adoção, utilizando a tecnologia para facilitar o encontro entre crianças e adolescentes que esperam por pais, mães e uma vida em família; e as pessoas que esperam pelos filhos e pelas filhas “que lhes chegarão pela infinita e inexplicável força do amor”. “Muito mais do que uma medida judicial, adotar é amor e um compromisso contínuo com o afeto e a responsabilidade de bem-cuidar, educar, proteger e se entregar aos filhos e filhas de todo o coração.”

Na fase seguinte, a ferramenta vai disponibilizar o ambiente virtual para que os mais de 33 mil pretendentes habilitados no SNA possam realizar a consulta de todas as crianças e adolescentes previamente disponibilizados para busca ativa. O presidente do Fórum Nacional da Infância e da Juventude (Foninj), conselheiro Richard Pae Kim, afirmou que a ferramenta de busca ativa nacional se une aos esforços já lançados por alguns tribunais para garantir o direito à convivência familiar e comunitárias de todas as crianças e adolescentes que ainda aguardam a adoção no Brasil.

(Imagem ilustrativa: Kathrin Pienaar/Pixabay).

O conselheiro reforçou que, conforme previsto na Portaria CNJ n. 114/2022, a funcionalidade deve garantir a preservação da identidade e imagem das crianças e adolescentes, com a apresentação apenas do prenome, idade e estado do acolhido. Pae Kim lembrou ainda que apenas os pretendentes devidamente habilitados terão acesso à busca ativa. “Além disso, todo o material visual, como fotos e vídeos, terá uma marca d’água com as informações do nome e CPF das pessoas que realizam a consulta, o que evita a divulgação indevida de dados.”

O presidente do Foninj também informou que caberá à equipe técnica do serviço de acolhimento, em articulação com a rede protetiva e a equipe técnica judiciária, realizar o trabalho psicossocial de preparação da criança ou do adolescente para sua disponibilização por meio da busca ativa. Ele ressaltou que, para ampliar as chances de adoção, a busca pelo SNA continuará a ser feita, enquanto não for realizada a vinculação por busca ativa.

“Dessa forma, a funcionalidade de busca ativa será uma importante ferramenta disponibilizada pelo CNJ a todos as varas e pretendentes do Brasil, que ampliará o acesso a informações de crianças e adolescentes acolhidos, aptos, mas sem pretendentes disponíveis compatíveis com seu perfil, de forma a aumentar suas chances de encontrar uma família”, afirmou Pae Kim. 

Sistema nacional

Criado em 2019, o SNA já registrou mais de 11 mil adoções pelo cadastro. Em 2021, houve recorde no número de adoções concluídas: mais de 3,7 mil. Também houve recorde em reintegrações, tendo mais de 11 mil acolhidos retornado à convivência com seus pais biológicos.

Ainda assim, mais de 4 mil acolhidos aguardam ser adotados. Desses, cerca de 2,2 mil não conseguem encontrar pretendentes interessados em sua adoção: 21,4% possuem problemas de saúde; 24,2% com algum tipo de deficiência; e 85% tem acima de 10 anos.

(*) Conteúdo produzido e pela Agência CNJ de Notícias, disponível no site do CNJ.

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