Todos os Animais

Meu colega de trabalho falou que tinha “boi ralado” para o almoço e mudou minha vida

Fábio Chaves escreve sobre sua decisão em se tornar vegano e não comer nenhum produto de origem animal.

Por: Fabio Chaves | fabio.co
Meu colega de trabalho falou que tinha “boi ralado” para o almoço e mudou minha vida

Eu não como nenhum tipo de carne desde 2007 e sou vegano – o que inclui não comer nenhum produto de origem animal (carnes, laticínios, ovos etc) desde 2008. Mas vamos voltar um pouco.

Por volta de 2003, eu trabalhava como vendedor de instrumentos musicais na rua mais movimentada de Campinas, no interior de São Paulo. A Rua 13 de Maio está para Campinas como a Rua 25 de Março está para São Paulo. Longe de ser vegetariano, naquela época eu almoçava pela região em qualquer lugar ou comia um cachorro-quente de R$ 1,00 na esquina e não tinha o menor problema com isso.

Quando criança, eu sempre achei um tanto quanto errado matar animais, mesmo que fosse para comer. Isso ficava bem mais claro quando a morte era no quintal de casa, algo que definitivamente não era incomum. Mas, durante a adolescência, eu passei batido pelas questões éticas em relação aos animais, não me importava muito. Porém, já adulto e na loja de instrumentos musicais, passei por uma situação que começou a mudar minha percepção.

Não vi nenhuma campanha ou sequer ouvi falar de alguma ONG que divulgava o veganismo. Também não foi um vídeo de abate, documentário ou algo do tipo que serviu de estopim naquele momento, mas sim uma brincadeira de um amigo do trabalho.

O mais brincalhão da turma de vendedores saía para almoçar uma hora antes e, quando ele voltava, eu ia. A maioria dos vendedores, por ganhar apenas R$ 3,00 para almoçar (!), optava por comer no Bom Prato, rede de restaurantes populares subsidiados pelo Governo do Estado de São Paulo. Ainda hoje custa R$ 1,00 para almoçar lá, então sobrava dinheiro até para comer uma besteira à tarde.

Uma vez, quando vi meu colega piadista chegando à porta da loja, na volta do almoço dele, perguntei o que tinha no cardápio do Bom Prato. Eu sempre fazia isso para saber se valia a pena enfrentar a fila que dobrava o quarteirão (por causa do preço).

“Hoje tem boi ralado com batata!” – gritou ele, da calçada mesmo. Depois entrou na loja gargalhando. É claro que todo mundo riu e eu ri junto. Francamente, não me lembro se fui comer o tal "boi ralado" naquele dia, mas com certeza comi várias vezes depois. Mas, por algum motivo, aquilo não passou em branco. Eu fiquei pensando naquela definição literal do prato e sobre como aquilo soava estranho.

Não parei de comer carne naquele ano, nem no seguinte. Mas foi um estalo importante na mente para que, anos mais tarde, eu juntasse as peças do quebra-cabeça e decidisse não financiar mais a indústria que rala, escalda, esfaqueia e esquarteja os animais.

A brincadeira do meu colega vendedor, sem querer, derrubou o eufemismo da carne moída, do pastel de carne, da carne de panela e tanto outros. Ele escancarou o que é, de fato, um prato de carne moída e isso teve um grande efeito para mim. Não quer dizer que eu não chegaria ao veganismo por outros meios. Eu provavelmente seria vegano mesmo sem essa passagem em minha vida, mas quando várias coisas começam a se encaixar, a cabeça abre.

É por isso que muitas vezes eu faço questão de derrubar eufemismos em meus textos. Se falo “o boi criado para corte”, soa quase normal para a maioria das pessoas. Mas se eu afirmo que “o boi é criado para ser esquartejado e vendido aos pedaços”, soa forte o suficiente para fazer com que algumas pessoas se ponham a pensar. Para outras, eu sei, soa apenas ridículo. Mas eu continuo fazendo porque eu foco nas pessoas que têm o combustível da compaixão pelos outros animais mais aflorado, só esperando uma faísca para começar a queimar.

Sobre o autor | Fabio Chaves é fundador e infoativista do Vista-se – maior portal vegano do Brasil e segundo mais acessado do mundo – e colunista do portal de notícias da Rede Record, o R7 [acesse aqui].

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