Somos las Nietas de las Brujas que no Pudiste Quemar.
A presença da mulher na sociedade, violência, vedações e desafios.

Qual é o papel da mulher em nossa sociedade? Ser filha, esposa e mãe. Sim, este foi o papel designado para a mulher desde que Eva, que veio da costela de Adão, influenciada pela serpente, incentivou Adão a comer a maçã e, assim, foram expulsos do paraíso. De lá pra cá muita coisa mudou e pouca coisa mudou.
A mulher é explorada por uma sociedade machista e profundamente influenciada por dogmas religiosos ultrapassados. Essa forma de impor o patriarcado à mulher é regra, como uma forma de domínio, que ainda impera, de forma explícita, nem tão explícita, muitas vezes escamoteada e perversa, em nossa sociedade.
Educamos as jovens meninas a exercerem o papel determinado a ela desde o pecado original, transformando estas garotas em mais uma guerreira no exército da intolerância e preconceito em relação ao seu próprio gênero. Mulheres atacam outras mulheres que não vivem conforme as ‘regras estabelecidas’ para o perfeito desempenho do papel da mulher em sociedade.
Na contramão de lutas seculares há um grande movimento de mulheres que negam o feminismo, baseadas na confusão absurda de que ser feminista é ser contra os homens, e de que não há mais pra que ou porque lutar, pois segundo este grupo, não existe desigualdade no acesso a direitos entre homens e mulheres, portanto, o feminismo não faria mais sentido. É muito conveniente para o “status quo” a manutenção destes processos socialmente construídos.
Por muito tempo eu pensei dessa forma, que havia um exagero colossal na luta de muitas mulheres por direitos, que a coisa não era bem assim, que o mundo havia mudado, agradecia imensamente as “queimadoras” de sutiã, mas esta luta já havia dado o que tinha que dar e que a conversa era outra... Pensava com meus botões, “falta ternura nesta luta”, em uma crítica direta as feministas ativistas!
Mas nada como um dia após o outro, hoje eu compreendo a “raiva” e urgência de muitos grupos de luta, pois é muito fácil ter ternura em nossa zona de conforto e, por outro lado, muito difícil nos colocarmos e sentirmos empatia pela dor da outra.
Sei lá quando despertei, pois não foi algo catártico, ou uma epifnia, mas sim um processo. Quando dei por mim, compreendi que ser mulher, mesmo no meu mundo das “maravilhas”, é sofrer todas as agruras de pertencer a este gênero, igualzinho a qualquer mulher que vive em um país nada laico, machista, hipócrita e desigual, como o Brasil. É desesperador a forma passiva como nós mulheres aderimos ao sistema sem questioná-lo, em muitos casos somos as primeiras a empunhar as pedras, ou a montar a fogueira.
Certamente eu não sou a única mulher que viveu muito tempo em um torpor silencioso, que por ser cego e tolerante, passa, sem querer, a ser “cúmplice”, pois acreditar que há igualdade de oportunidade de direitos em um país tão desigual como o Brasil é viver em um mundo de mentirinha. Se não há igualdade de gênero que abrace uma mulher branca, heterossexual, estudada, com todos os seus dentes e de origem europeia, imaginem, então, como será a realidade vida vivida por uma mulher negra, sem estudo, pobre?
Pois é, este nosso silêncio, ignorância, apatia, descaso, egocentrismo, egoísmo e incapacidade de nos colocar no lugar de outra mulher, a falta de empatia, são os grandes responsáveis por este estado de coisas, que já ganhou ares de insanidade em nosso país. Nossa zona de conforto, protegida por bolhas de segurança, precisa ser rompida para darmos um basta no que aí está pré-determinado para nós mulheres. Nosso silencio é cúmplice, e não existe fim pior para os que se calam do que ser conivente com tudo o que abominamos em nossa sociedade.
Pois o cenário é assustador, e não se concentra apenas na desigualdade no mercado de trabalho e remuneração, mas a violência contra mulher, existe, sim!, e é aterradora! A cada 3 horas, uma mulher é estuprada no Brasil. Sem falar em assédios, violência física e psicológica.
São números chocantes e que certamente não refletem a realidade, pois seguramente ela é muito pior. Por mais que tenhamos a delegacia da mulher, muitas não prestam queixa sobre o crime temendo a repercussão negativa, ou achincalhamento de sua vida pessoal e ter que ouvir, “também, usando estas roupas, esta mulher provocou, mereceu o que teve, pois é uma vagabunda”. Sinceramente não entra em minha cabecinha, como nos século 21 o machismo impera em nossa sociedade e transforma a vítima em culpada!
Estas mulheres violentadas, que ficam em silêncio, não são atendidas por equipes especializadas e estão sujeitas a múltiplas agressões, não apenas da violação de seu corpo, mas também à sua integridade psicológica e física, pois estão expostas a DSTs e claro uma gravidez pra lá de indesejada, fora todas as marcas "invisíveis" que jamais as deixarão! Estamos distantes de perceber e reconhecer a mulher como um ser humano que tem o direito de ser livre! A “roupa curta” só é um símbolo, que representa o quão nossa sociedade está imersas em pré-conceitos oriundos de uma idade das trevas.
Além da violência física, somos “bombardeadas” cotidianamente sobre o papel que a mulher “deve” desempenhar em sociedade.
É incompreensível que a mulher, mesmo dando o duro todos os dias, sendo filha, esposa, mãe e trabalhadora ainda tenha que viver e se submeter a um mundo de patriarcas. Não é justo que em uma escala bíblica, a mulher seja sujeitada a andar atrás do homem ou ser apedrejada em praça pública por não “parecer” o que esta sociedade hipócrita, machista, perversa e pervertida espera dela!
E isso começa desde cedo, pois nós adultos quebramos nossas crianças e todo seu potencial lúdico e criativo em mil pedaços e, as reconstruímos conforme nossas crenças, baseadas em imposições (a)morais, arcaicas, ditatoriais e construídas para conservar uma sociedade em moldes pré-históricos, onde a força bruta e o conceitos tácitos impõem a submissão da mulher. “Imposição” para manter as coisas do jeito que são. E ao fim e ao cabo, sem que a gente se de conta não questionamos e, assim, reproduzimos os papeis designados a priori para cada um na/em sociedade.
Este triste ciclo-vicioso precisa ser rompido desde cedo, na criação de nossas meninas. A forma como esta menina é criada, a forma como brinca, os valores que são ensinados pelos pais, a segurança passada por eles de que ela será amada e “alguém na vida" sendo o que ela quiser ser: princesa, príncipe, médica, professora, atleta, engenheira, surfista, química, advogada, estivadora, oceanólogas(:p), astronauta, pintoras, chefs... Contribuirão para expandir todas as possibilidades do mundo na vida dessa criança.
Certamente dessa forma criaremos mulheres mais humanas, com mais empatia, incapazes de julgar a outra por óticas tão tacanhas e machistas e que não deixarão para trás a sensação de que não viveram a vida em sua plenitude! Sim, criaremos feministas que jamais se calarão diante da desigualdade, que lutarão por seus direitos. Que se recusarão a ser vítima passiva de violência física e psicológica, que não admitirão fazer parte desse sistema cruel de submissão da mulher.
Infelizmente está na lógica organizadora de qualquer sistema de ideias resistir à informação que não lhe convém ou que não pode assimilar. É tão mais simples culpar o diferente em vez de olhar para si, é muito mais fácil pela força da coação e, muitas vezes da violência seja ela física ou psicológica, atacar e ridicularizar uma mulher que destoa da padronização dita “normal”, a rever conceitos intencionalmente “criados” para “defender” a sociedade. Afinal o diferente sempre aterrorizou o sistema que aí está, pois da força e da luta por direitos e a uma vida plena, pode nascer à força de renovação contrária a uma sociedade embasada em pré-conceitos e conceitos moralistas criados para coibir qualquer ação que possa sair do “controle” e, assim através da culpa e do medo manter as coisas do jeito que sempre foram.
Isabel Cristina Gonçalves é Adamantinense, Oceanógrafa, Mestre e Doutora em Educação Ambiental. Pós-doutorado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) no projeto: "Mudanças climáticas globais e impactos na zona costeira: modelos, indicadores, obras civis e fatores de mitigação/adaptação - REDELITORAL NORTE SP" & KAOSA/Rio Grande – Rio Grande do Sul. Acesse aqui seu perfil no Facebook.