Retrato

Sobre crise, marola, tsunami, mandioca e mulher sapiens...

Não houve uma gestão estratégica sobre as futuras possíveis consequências dessa crise

Por: Isabel Gonçalves
Sobre crise, marola, tsunami, mandioca e mulher sapiens...

O “ideal” desenvolvimentista que pauta e rege grande parte de países pelo planeta, incluindo a terra do Pau Brasil, é fundamentado em uma visão obtusa, retrógrada e mais do que ultrapassada mundo. Em favor do tal desenvolvimento a qualquer custo rifamos a tal da sustentabilidade socioambiental, sociocultural, sociopolítica, sócio histórica e socioeconômica. Infelizmente, gestores por incompetência, ganância ou sabe-se lá o que, não compreendem ou não querem entender que desenvolver baseado na sustentabilidade não exclui este tal desenvolvimento, apenas o humaniza e lhe dá inteligência, em um processo onde todos ganham, mas na ânsia de dinheiro rápido, fácil e poder, tratora-se tudo e todos.
O “ente” mercado, respaldado pelo paradigma empresarial e científico, pauta as diretrizes de governos, das empresas, da sociedade e, por decorrência, dos sujeitos. Os processos econômicos e sociais promovem significados e consequentemente modelam nossa maneira de viver, em razão daquilo que somos — nossas identidades. Neste processo, o consumismo legitima a ilusão da plenitude do ser e principalmente, avaliza o paradigma cientifico e empresarial que pautam governos das nações pelo globo. A vida voltada para o consumo nos traz prazer momentâneo em uma sociedade voltada para a satisfação imediata dos desejos. Consumimos de tudo, inclusive a imagem de um político, o problema é que não nos damos conta disso, e se refletirmos e problematizarmos a questão chega a ser assustador. Consumimos a imagem e não o potencial gestor deste político, sua história, seu currículo, que ficam em segundo plano num processo eleitoral.
Nossa presidenta eleita, por exemplo, passou por processos de transformação não apenas físicos, mas também comportamentais para melhor se adequar ao ideal de consumo do eleitor. Neste processo de marketing articulado para “vender”, as estratégias são definidas pelos grupos que estão em posição hierárquicas superior, em uma relação de poder. Estes definem, sem que a gente se dê conta, o que deve ser visto e ouvido através da disseminação e predomínio de propagandas e informações descontextualizadas, aceleradas e de digestão mais rápida ainda.
Consequentemente, sem que percebamos, é imposta a “verdade” através de um processo de massificação e manipulação subjetiva de nossa vontade. É de extrema importância frisar que este processo se dá com o nosso consentimento. Lembrando o que disse Foucault, o que faz com que o poder se conserve e seja aceito é simples, ele não pesa apenas como uma força que diz não, mas que de fato ele “permeia, induz ao prazer, forma saber, produz discurso, “se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer não, você acredita que seria obedecido”?
Para Foucault "a verdade" é produzida e transmitida sob o controle, dominante, e não exclusivo, de alguns grandes políticos e aparelhos econômicos (universidade, mercado, mídia, entre outros). Está centrada na forma de discursos científicos, que estão sujeitos a constantes incitações econômica e política (a procura da verdade, tanto para produção econômica como para o poder político).
E o que tudo isso tem a ver com desenvolvimento (in)sustentável, governos pautados por empreiteiras, crises, marolas, tsunamis e claro, mandioca e mulher sapiens?
Vejamos... o Brasil é um país imenso, com diversos biomas, cada um propício para diversos tipos de produção de grãos, hortaliças, frutas, verduras, legumes. Mas estranhamente pagamos, a cada dia que passa, cada vez mais caro por estes produtos, pois eles estão perdendo espaço para grandes monoculturas que invadem espaços que não deveriam, em hipótese alguma, receber este tipo de cultivo ou criação. Por exemplo, o avanço da soja e pecuária na Amazônia.
Enquanto “leigos” festejam a imensa balança comercial do agronegócio brasileiro, não se dão conta que para isso, estamos perdendo grandes áreas que são fundamentais para a regulação do clima em nosso país ou entregando de graça um produto extremamente precioso em um planeta cada vez mais seco, a água. Enquanto alguns poucos produtores ganham com este desmatamento e com a exportação, a maioria dos agropecuaristas perdem, duvida?
Vamos usar a soja, como exemplo - O Desmatamento para plantar soja - que na realidade é: plantar soja que se transformará em comida para animais e biodiesel!
Quando o grileiro ou o grande latifundiário invade um espaço de terra, como na Amazônia e, desmata a região, eles estão prejudicando o que?
- O balanço de captura de carbono nessas regiões
Aumentando o que na atmosfera?
- Mais Carbono!
Com as queimadas para abrir espaço para o plantio, é liberado o que para atmosfera?
- mais Carbono!
Somando tudo eu tenho mais o que no ar?
- Monóxido e Dióxido de carbono (CO e CO2), que são gases do efeito estufa.
Dessa forma há uma contribuição significativa no aumento da concentração destes gases na atmosfera, ou seja, prejudico e muito a qualidade do ar.
E tem mais, diminuindo a quantidade de árvores na Amazônia, há uma redução na umidade do ar, que leva a uma redução na quantidade de chuvas (relacionada aos rios voadores) em algumas épocas do ano.
Notaram como os verões estão cada vez mais quentes e secos?  Vejam a animação baixo, assim vocês entenderão melhor como funciona a fantástica produção de umidade e chuvas, graças a interação entre o mar, as árvores da Amazônia e a Cordilheira dos Andes.

VÍDEO

Como consequência  direta do desmatamento há uma sensível diminuição de umidade na atmosfera e, consequentemente, redução e mudança no regime de chuvas.
Esta redução e consequente alteração no regime de chuvas (na primavera e principalmente no verão) - em estações do ano que não são influenciadas pelas formações de frentes frias, oriundas do sul do continente de chuvas – é  sentida onde?
- No sul, sudeste e centro oeste! Estados com forte vocação agrícola e agropecuária
Estados que plantam o que?
- Soja! Arroz! Feijão! Café! Grãos em geral, também plantam: Algodão! Hortaliças! Vegetais! Árvores Frutíferas!
Estados que criam o que?
- Gado
Com o desmatamento e a ocupação de espaços para a agropecuária (poucos e imensos latifúndios) sem que houvesse sérios estudos de impacto socioambiental, em médio e longo prazo, baseado em um forte  gerenciamento estratégico, a premissa será essa: "enquanto alguns poucos latifundiários ganham, a esmagadora maioria de produtores rurais perde".
Agora tire você a sua conclusão
Não seria mais lógico investir no transporte inteligente que utilize menos biodiesel, como trens modernos, por exemplo? E deixar a soja para produção de alimento e nos biomas propícios para seu crescimento?
Perdemos uma grande chance, enquanto sociedade, de dar uma guinada em nosso estilo desenvolvimentista de crescimento, predador e acéfalo, de ajustarmos as nossas lentes com a crise mundial de 2008.
O Brasil reproduziu a mesma lógica. Atravessamos uma “marola” segundo o Lula, enquanto um “tsunami” varria mercados no exterior. E, ao invés do país parar e repensar formas de sustentabilidade e uma mudança no paradigma desenvolvimentista, foi feito o quê? O governo buscou estimular o consumo, principalmente de carros e eletrodomésticos. A estratégia foi a diminuição das alíquotas dos impostos que incidiam sobre diversos produtos como eletrodomésticos e carros.
Ou seja, não houve uma gestão estratégica sobre as futuras possíveis consequências dessa crise. O que foi alardeado lá atrás como um pequeno movimento de águas pelo governo brasileiro se transformou em uma imensa Tsunami com consequências nefastas para o Brasil. Ao menos é dessa forma que a presidente Dilma justifica o pífio crescimento de nosso país nos anos de sua gestão, consequências da crise de 2008. O Brasil cresce menos que os países emergentes, ganhando apenas da Rússia e cresce menos que muitos vizinhos sul-americanos.
Não há uma visão estratégica entre federação, estados e municípios. Um grande exemplo, o petróleo. Foi alardeado que já éramos autossuficientes em petróleo, mas não somos. Com o estimulo a indústria automobilística, nunca se vendeu tantos carros, forçando o consumo de combustível. A Petrobrás, para dar conta do consumo interno foi forçada a exportar petróleo pagando caro lá fora e vendendo barato aqui dentro, pois o preço da gasolina estava sendo usado para controlar a inflação que teimava em ficar próximo a meta do governo 6,5%. Consequência, a Petrobrás a cada dia que passava perdia poder de investimento. Investimento mais do que necessário para o desenvolvimento de ações para a extração do petróleo do Pré-sal.
Outra consequência é a diminuição do valor da empresa Petrobrás e a queda de suas ações, uma vez que a empresa perde seu valor, ela capta empréstimos com juros mais altos lá fora, ou seja, a Petrobrás deficitária precisa de empréstimos para investir no pré-sal e assim, paga juros muito altos por este dinheiro, endividando ainda mais a empresa.
Outro grande problema, a grande quantidade de carros nas estradas e ruas. Estradas e ruas já abarrotadas de carros e caminhões. Aí vivemos uma situação surreal, o prefeito de São Paulo do mesmo partido de Lula, que estimulou a venda de carros, quer tirar os carros da Rua e, instituir mais e mais ciclovias e corredores de ônibus. Mas como fazer isso na cidade que mais comprou carros, estimulada pelas facilidades e estímulos do governo federal? É como se cabeça não se comunicasse com os membros, ou como se decisões fossem tomadas sem reflexão e remendadas cada vez que necessárias.
O que impressiona é como sempre escolhemos o caminho mais fácil, mesmo sabendo que a corda vai arrebentar lá na frente. Adotamos soluções paliativas, normalmente populares. Este foi um momento oportuno no qual poderíamos ter discutido, no Brasil, por exemplo, a gestão responsável do transporte, pensando na redução da quantidade de carros que entra na frota nacional e valorizar o transporte público, seguro e de qualidade; pensando em malhas ferroviárias de transporte de passageiros e carga. Mas perdemos a oportunidade, e o que é mais triste, continuamos sucessivamente a perder todas as oportunidades de uma gestão socioambiental humana e inteligente.
Enquanto isso, saudamos a mandioca, que perde espaço na Amazônia para o avança da criação de gado e soja e, exaltamos nossa capacidade enquanto seres humanos capazes de produzir cultura, os tais “homo sapiens”, festejando a imensa capacidade humana de criar bolas com folha de bananeira que é leve e, vejam vocês, quica... assim nasceu a mulher sapiens, talvez isso explique, um pouco, por que entramos neste labirinto com o Minotauro a espreita, mas sem Teseu e carretel com fio de ouro que nos tire de lá!

(*) Isabel Cristina Gonçalves é Adamantinense, Oceanógrafa, Mestre em Educação e Doutora em Educação Ambiental. Atualmente trabalha como pesquisadora, Pós-Doutoranda, pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) no projeto: "Mudanças climáticas globais e impactos na zona costeira: modelos, indicadores, obras civis e fatores de mitigação/adaptação - REDELITORAL NORTE SP"

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