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Que tal a gente entender um pouco melhor sobre o desmatamento da Amazônia e as consequências?

Desmatamento para exploração da madeira nativa, e também abrir espaço para implantação de lavouras e pastagens, transgênicos e clima, estão entre os temas deste artigo.

Por: Isabel Gonçalves
Que tal a gente entender um pouco melhor sobre o desmatamento da Amazônia e as consequências?

Assistindo ao Bom Dia Brasil eu (des)aprendi que: com a nova norma do governo exigindo um aumento na adição (5,6 até 7%) de biodiesel à base de soja no óleo diesel, há uma purificação desse óleo e assim não há contaminação da atmosfera, sim senhoras e senhores, foi isso que o técnico de forma redundante e genérica afirmou. Nova propriedade da soja, purificadora. Aí todo mundo fica feliz!

Mas eu pergunto, para ter tanto soja é preciso?

- Um grande espaço de plantação! Soja é alimento humano, mas significativa parcela da soja plantada em grandes latifúndios (sim Kátia Abreu, existem latifúndios no Brasil) é para servir de alimento a animais na China e na Europa e, também, para o programa do biodiesel do governo. Para tanto, os biomas naturais para o plantio de soja passam a não ser suficiente, aí o que fazem? Aderem sem mais e sem menos a soja transgênica e ocupam espaços outrora ocupados por outras culturas de alimentos, como feijão, café, arroz, entre outros, para dar suporte a uma maior plantio de soja, o mesmo acontece para a cana e, também para a produção do etanol.

A semente da soja transgênica é produção exclusiva de qual corporação?

- A Monsanto!

Transgênico para aumentar a produção é “livre” de pragas graças ao “super” agrotóxico - que mata tudo, tudo mesmo - Glifosato!

Produzido por qual corporação?

- A Monsanto!

Os transgênicos são produzidos há muito tempo, portanto há muito tempo existe espaço para estudos que comprovem ou não se eles são deletérios para a saúde vegetal, animal ou humana. Creio que pelo princípio da precaução deveria ser absolutamente proibido liberar qualquer produto sem um estudo de longo prazo, jamais, repito, jamais um órgão regulador deveria liberar qualquer produto sem um estudo amplo que explore todas as possibilidades de risco. O glifosato, agrotóxico usado não apenas nas culturas transgênicas foi associado de forma direta a casos de câncer, tanto que a Anvisa está reestudando sua liberação, mas quanto tempo ainda esperaremos para sua proibição, repetiremos a história do DDT? É a nossa nova Primavera Silenciosa?

Afinal o que é feito das agências reguladoras? Elas estão aí, tem seu propósito de defender a qualidade de vida da população, o bem estar de todos. Portanto chega a ser desesperador que baseado em provas cientificas estas tais agências reguladoras continuem protelando decisões sobre o uso desses herbicidas. “O glifosato foi classificado recentemente pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer(IARC), órgão da Organização Mundial da Saúde (OMS), como provável carcinógeno em humanos”, isso já deveria ligar todos os sinais de alerta e urgência, mas ainda esperamos por respostas, segundo a Anvisa “Por lei, o registro de agrotóxicos não tem data de validade, porém as reavaliações são feitas para rever os limites de segurança do produto diante de novas informações científicas sobre estas substâncias. No processo de registro de agrotóxicos no Brasil, cabe à Anvisa avaliar o impacto destas substâncias sobre a saúde humana, tanto do trabalhador rural como do consumidor”, neste sentido “a diretoria colegiada da Anvisa aprovou, no dia 20/8/2015, o início da reavaliação toxicológica de cinco ingredientes ativos de agrotóxicos utilizados no Brasil: glifosato, lactofen, abamectina, carbofurano e thiran.

E em como se não fizesse parte de todo este contexto a Ministra da Agricultura, senhora Kátia Abreu, convidou a população a comer, sem medo, o nosso alimento envenenado de todo dia, afinal, para Kátia Abreu, este negócio do malefício dos agrotóxicos e do Brasil ser o campeão no uso e consumo de agrotóxico – aproximadamente 6 litros por pessoa - é coisa de gente maluca, abelhas estão morrendo e não mais polinizam nossas plantações, mas pra que abelhas se eles têm as sementes Terminator que se encerram em si mesmas, polinização para que? Pra que se há os transgênicos e o glifosato!? Glifosato ser causador de câncer, autismo entre tantas tragédias é mero detalhe, né, Kátia? Que sua primavera seja silenciosa, Kátia Abreu, que surja uma Carson em sua e em nossas vidas!

Mas, vá lá, como se á fé, obtusidade e incompetência fossem bobagem, como tudo o que é Bioma para plantio neste país já está ocupado (inacreditável) com monoculturas de cana, soja e eucalipto... é preciso de mais espaço para o plantio, aí se faz o que?

- Adentra e desmata o cerrado e a Amazônia!

Isso mesmo, desmatamento para plantar soja - que na realidade é: plantar comida para animal (exterior) e biodiesel para o governo!

Quando eu desmato eu prejudico o que?

- O balanço de captura de carbono nessas regiões

Aumentando o que na atmosfera?

- Mais Carbono!

Com as queimadas para abrir espaço para o plantio, é liberado o que para atmosfera?

- mais Carbono!

Somando tudo eu tenho mais o que no ar?

- Monóxido e Dióxido de carbono (CO e CO2), que são gases do efeito estufa.

Dessa forma há uma contribuição significativa no aumento da concentração destes gases na atmosfera, ou seja, prejudico e muito a qualidade do ar e também de gases de efeito estufa.

E tem mais, diminuindo a quantidade de árvores na Amazônia, há uma redução na umidade do ar, que leva a uma redução na quantidade de chuvas (relacionada aos rios voadores) em algumas épocas do ano.

Onde?

- Em estados produtores como sul, sudeste e centro este!

Estados que plantam o que?

- Soja!

Agora tire você a sua conclusão, se adicionar biodiesel ao combustível é realmente algo bom para nossa sociedade e o ambiente.

Não seria mais lógico investir no transporte inteligente que utilize menos biodiesel, como trens modernos, por exemplo? E deixar a soja para produção de alimento e nos biomas propícios para seu crescimento?

Mas não, como se ainda vivêssemos na era de coronéis e oligarcas estamos imersos e revivendo um passado em um loop eterno que insiste em não nos abandonar.

Segundo reportagem da jornalista Elena G. Sevillano do Jornal El País, após mais de 25 anos desde a morte de Chico Mendes, o Brasil continua a ser o lugar mais perigoso do mundo para os ambientalistas ativistas. Segundo um relatório da ONG Global Witness, que compilou os assassinatos de ambientalistas em todo o mundo entre 2002 e 2013 dos 908 assassinatos documentados em 35 países, 448 aconteceram no Brasil.

Precisamos levar em consideração que os assassinatos são medidas extremas; antes de alguém ser morto há certamente ameaças, intimidação e violência. O desmatamento da Amazônia depois de quatro anos consecutivos de queda, em 2013 voltou a crescer e em 2014 bate recordes, talvez treinando para as Olimpíadas do Rio. Em agosto de 2014 foram desmatados 890,2 quilômetros quadrados, um valor 208% maior do que os 288,6 quilômetros quadrados do mesmo mês de 2013. Já no mês de setembro de 2014, o desmatamento foi de 736 quilômetros quadrados, um valor 66% maior do que no mesmo mês no ano passado. Números extra oficiais do mês de outubro indicaram que o desmatamento aumentou mais de 400%.. Segundo dados do instituto de pesquisa Imazon, que monitora o desmatamento na Amazônia há 20 anos, entre agosto de 2014 e fevereiro deste 2015 foram desmatados 1.700 quilômetros quadrados de floresta nativa, comparado com dados do ano anterior, o aumento é de 215%. A Floresta está sendo derrubadas em uma velocidade assustadora

Ambientalistas atribuíram este aumento ao relaxamento nas leis que protegem a floresta.

Incrível que, mesmo com todo o conhecimento cientifico, nossos governos não pautam suas administrações em gestão socioambiental inteligente e estratégica. Priorizar, custe o que custar, a monocultura de alguns produtos agrícolas e a agropecuária é um dos maiores equívocos estratégicos e gestor de nossos governos (como no império, importar produto industrializado, exportar matéria prima – um dia a China deixará de comprar tanto e aí como é que fica?). Se em um país de dimensões continentais como o Brasil, houvesse gestão inteligente (curto, médio, e longo prazo) os biomas seriam respeitados e as culturas agropecuárias ocupariam seus espaços naturais.

Quando não há gestão inteligente e estratégica de ocupação de espaços no campo - “o que plantar e onde plantar” - que respeite a capacidade suporte e de recuperação do solo, corpos de água e a população que vive neste ambiente, é criada uma grave crise socioambiental, sociopolítica, socioeconômica, sociocultural. E é isso que vivenciamos hoje no campo, uma samba do crioulo doido, pois nunca se produziu tantos grãos e carnes para a exportação, mas nunca se desmatou tanto, nunca tantos foram mortos, nunca tantas terras produtivas se transformaram em improdutivas, e em nossos pratos nunca o alimento esteve tão caro - e isso não é devido apenas a instabilidade das chuvas.

Argumentar que a humanidade, que cresce em progressão geométrica, precisa comer e, portanto se faz necessária a produção de grãos cada vez maior é um justificativa obtusa, redutora e que não responde questões básicas e muito menos estratégicas. Estão destruindo biomas e consequentemente depauperando o solo, envenenado água, solo, plantas, animais, e o “maior” animal irracional, o ser humano, para manter monoculturas de milho, soja e cana, pra produção de ração animal, óleo, e biodiesel.

É muito sério, diria criminosa em alguns pontos, a gestão ambiental de nosso país. Talvez a população, que não tem toda a informação necessária sobre o contexto e a complexidade do tema, acredite que bom é plantar muito grão mesmo, que certa está a bancada ruralista. Mas o governo que deveria mediar todo este sistema, pois possui, sim, estas informações, ou é incompetente, e/ou é cúmplice, e/ou é omisso, pois esta permissividade na destruição de histórias de vidas e de nossos biomas para a expansão dos “agrobusiness” – externalizando os custos, onde o lucro fica não mãos de poucos e o prejuízo é compartilhado com a sociedade, que fica com o ônus - além de irresponsável cobrará um preço muito alto.

Um exemplo, a Amazônia é responsável por um dos sistemas mais impressionantes de distribuição de chuvas, os tais Rios Voadores - vejam o VÍDEO

É um sistema carregado unidade que parte da Amazônia, passa pelo centro oeste, ganha força nos Andes, onde há a formação de nuvens pesadas de chuva. Dos Andes este sistema de chuvas retorna para o Mato Grosso, São Paulo, Paraná e Sul do país. Imaginem o que será das plantações e do campo no Rio Grande do sul, por exemplo, se devido ao desmatamento este fluxo de unidade que produz chuvas cessar?

Em tempos onde interferimos de forma tão significativa na emissão de gases de efeito estufa, desmatar nossas florestas contribuirá significativamente para a redução da umidade nestes locais, consequentemente na mudança no regime de chuvas ligadas a este sistema, é um ciclo-vicioso.

A ganância os cega de tal forma que eles não conseguem antever o quão crítico será o clima para o plantio em um futuro muito próximo. Existem biomas neste país, cada um propício a um tipo de plantio ou criação. O que precisamos é de uma gestão inteligente e livre de corrupção no campo. É muito simples, mas infelizmente os interesses da população não contam na escala de valor e prioridade para nossos governantes, nós somos relegados a último plano e, infelizmente para o final da fila não sobra nada, pois os gafanhotos já destruíram tudo! 

É surreal em país que onde se até bem pouco tempo atrás, plantando tudo dava, privilegiarmos a monocultura expansionista e exportadora, é só conferir este gráfico acima, não há sequer necessidade de explicar. Para um bom entendedor meia palavra basta!

Isabel Cristina Gonçalves é Adamantinense, Oceanógrafa, Mestre em Educação e Doutora em Educação Ambiental. Atualmente trabalha como pesquisadora, Pós-Doutoranda, pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) no projeto: "Mudanças climáticas globais e impactos na zona costeira: modelos, indicadores, obras civis e fatores de mitigação/adaptação - REDELITORAL NORTE SP" | Acesse aqui seu perfil no Facebook.
 

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