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Mudanças climáticas: Verdade ou Sensacionalismo?

Os aspectos da mudança climática e as implicações ambientais, socioambientais, sociopolíticas e socioeconômicas.

Por: Isabel Gonçalves
Mudanças climáticas: Verdade ou Sensacionalismo?

Para entendermos as mudanças no clima, precisamos compreender o desenvolvimento deste processo, como se deu a montagem deste cenário. Para tanto é imperativo entender intimamente a "história das coisas". A exploração da matéria-prima sem parcimônia, combustíveis fósseis, o trabalho assalariado nas fábricas, a produção em série e em massa, contaminação ambiental (ar, solo e água),  o canto da sereia do consumismo, a aceitação e adesão a este novo mundo por nossa sociedade e, o destino inadequado dos resíduos. As "tais" mudanças no clima estão diretamente associadas a estes fatores. Não é apenas um problema ambiental, mas também, socioambiental, sociopolítico e socioeconômico.

Para contextualizar este processo, também, é importante conhecer intimamente Gaia, é IMPERATIVO que reconheçamos Gaia, assim entendida por Lovelock: “considere a teoria de Gaia como uma alternativa viável à 'sabedoria' convencional que vê a Terra como um planeta morto, feito de rochas, oceanos e atmosferas inanimadas, e meramente, casualmente, habitado pela vida. Considere-a como um verdadeiro sistema, abrangendo toda a vida e todo o seu meio ambiente, estritamente acoplados de modo a formar uma entidade auto-reguladora".

Existem várias teorias da formação do Planeta Terra, uma delas e mais aceita foi a do Big Bang. Segundo o autor desta teoria, Georges Lemaitre, nosso universo se formou há mais ou menos 15 bilhões de anos e o planeta Terra surgiu aproximadamente há 4,5 bilhões de anos.

Não é à toa que muitos cientistas e poetas costumam dizer que nós, seres humanos, SOMOS PÓ DE ESTRELA. 

Os elementos mais pesados foram "afundando" e começaram a formar o núcleo do Planeta Terra, contribuindo para a formação de um campo magnético, grande responsável por nos proteger das explosões solares.

Por aproximadamente 500 mil anos, a Terra, que era uma massa de lava incandescente, foi esfriando na superfície e formando uma crosta fina de rochas e abaixo desta fina camada de rocha encontra-se uma extensa camada de magma incandescente e, abaixo dessa, o núcleo da Terra.

Aos poucos foi sendo formada a atmosfera do Planeta, nada parecida com a que temos atualmente, pois esta era composta por gases com as proporções diferentes das que são encontradas nos dias de hoje. Mas aos poucos a grande magia da interação e da auto-regulação de Gaia e seus organismos, seu ambiente biótico e abiótico, foram dando formas mais parecidas com a que encontramos hoje. Os organismos vivos do Planeta há mais ou menos 1,5 bilhões de anos, usavam a fermentação em seus processos metabólicos e fixavam o nitrogênio abundante na atmosfera à custa de um grande gasto energético.

A grande guinada em todos os processos que conhecemos foi a alteração da composição da atmosfera do Planeta aos níveis que conhecemos hoje em dia. Isso só foi possível, pois, através de mutações, algas azuis (ou cianobactérias) começaram a produzir oxigênio. Foi então que se iniciou um dos mecanismos mais fascinantes para a composição da atmosfera, quando os micro-organismos começaram a produzir oxigênio por meio da respiração. Mas, ao mesmo tempo, foi a primeira grande mortandade de organismos por intoxicação por um gás. Como isso aconteceu?

As algas azuis produziam oxigênio (O2), mas não o utilizavam em sua respiração, consequentemente uma quantidade intoxicante de oxigênio foi produzida. Para termos ideia, a proporção de oxigênio que sustenta a vida em nosso Planeta é de aproximadamente 21%, ideal para a nossa sobrevivência.

Num primeiro momento, o ferro presente na composição das rochas do Planeta foi responsável pela retirada de parte significativa do oxigênio livre da atmosfera. No entanto, quando todo ferro ficou oxidado, as concentrações de oxigênio livres na atmosfera aumentaram significativamente. Oxigênio livre em grandes quantidades na atmosfera é extremamente tóxico, o que provocou a morte de quase todos os organismos vivos do Planeta. E foi exatamente o que aconteceu nos primórdios do Planeta com a superprodução de oxigênio.

Mas como este cenário foi alterado? Algumas espécies de algas azuis sofreram mutações e, numa grande estratégia evolutiva, passaram a consumir parte do oxigênio que liberavam no ar, passando a utilizá-lo também para sua respiração. 

Surgia assim a famosa fotossíntese (6 CO2 + 12 H20 = C6H12O6 + 6 O2 + 6 H2O), uma das estratégias de vida mais fascinantes das plantas, na qual transformam água (H2O) e  CO2 em matéria (glicose) e em O2, que é liberado na atmosfera.

Com a fotossíntese foi regulada a concentração de O2 na atmosfera e, consequentemente, essa estratégia ajudou a regular também a concentração de CO2 na atmosfera, que é um gás fundamental para a vida no planeta. Para Gribbin podemos caracterizar Gaia como um sistema dissipativo longe do equilíbrio que se auto-regula através da interação entre os organismos vivos e o sistema abiótico.

O CO2, gás fundamental para a vida? Sim, fundamental e essencial. No entanto, o estranhamento a isto se deve ao fato de que somos induzidos, pelas mídias e até mesmo na escola, a crer que o CO2 é um vilão, sendo o gás responsável pelo efeito estufa, sim ele é responsável, mas também é fundamental a vida, como outros gases vilões do "efeito estufa". Falamos em efeito estufa como se fosse um grande problema, mas e se eu disser que sem ele não haveria vida no Planeta? Pois o "efeito estufa" deve ser contextualizado. Existe o efeito estufa natural que sem ele não haveria vida como conhecemos na terra, pois a temperatura seria muito fria. Graças ao efeito estufa natural a média de temperatura no planeta é de 15 graus centigrados.

Já com as atividades humanas, como as industriais, os carros nas ruas, metano dos lixões entre outros, mais gases são colocados na atmosfera, além dos que já lá estão por fenômenos naturais, aumentando assim a quantidade desses gases, contribuindo consequentemente para que a temperatura aumente. O efeito estufa antropogênico é causador do famoso “aquecimento global”.

Embora a temperatura média do planeta esteja mais elevada, extremos de temperatura estão se sucedendo, picos de extremo frio ou calor, chuvas escassas ou muito acima da média de precipitações, ou seja, significativamente estamos mudando o clima do Planeta.

Se perguntarmos o que é o efeito estufa, quais os gases que o compõem, por exemplo, pouquíssimas pessoas saberão nos responder corretamente. E este é o cerne de um grande problema, a falta de conhecimentos gera uma percepção distorcida sobre esse tema. Voltemos ao efeito estufa. O chamado efeito estufa natural é o grande responsável pela vida na terra, isso mesmo, responsável pela vida no planeta; sem ele não existiria vida na terra como conhecemos, pois esta seria muito fria. 

Vamos entender como se dá esse processo: o Planeta Terra, Gaia, comporta-se como um organismo vivo, portanto busca a homeostase, ou seja, o equilíbrio pela auto-regulação. Se não existisse o efeito estufa natural, o Planeta Terra seria muito frio, sua média de temperatura estaria próxima aos 18 graus Celsius negativos, a vida como a conhecemos no planeta seria inviável. Durante milhares de anos e através da participação ativa e efetiva de micro-organismos, a composição do planeta foi se modificando e se aproximando do que hoje conhecemos (quantidade de gases na atmosfera hoje).

Esta relação de controle entre os dois sistemas biótico e abiótico foi mostrada pela primeira vez em 1990, por um químico inglês da NASA chamado James Lovelock, quando estudava a diferença entre as composições atmosféricas do Planeta Terra e Marte. Este estudo é conhecido como Hipótese de Gaia. Nela o autor sustenta que “Os organismos, principalmente os micro-organismos, evoluíram junto com o ambiente 'físico', formando um sistema complexo de controle, o qual mantém favoráveis à vida as condições da terra, as condições químicas e físicas da superfície da Terra, da atmosfera e dos oceanos tem sido, e continuam a ser, ajustadas (ativamente) para criar condições confortáveis para a presença de vida, pelos próprios elementos viventes”.

Isso significa que, em bilhões de anos, o Planeta Terra vem se ajustando e se auto-regulando até que tivéssemos as condições favoráveis à vida no planeta, ou seja, Gaia mantém o equilíbrio necessário para que a vida possa ser mantida, através de relações de transformação e trocas entre organismos bióticos e o sistema abiótico.

Gases, poeira, gotículas de água, nuvens, são produzidos e transformados por Gaia e formam o efeito estufa natural, grande responsável por reter e liberar o calor emitido pelo sol, mantendo a temperatura média da Terra em 15 graus centígrados. Conclui-se que o efeito estufa natural é fundamental para a vida no Planeta.

Quando mencionamos o problema, usualmente e erroneamente, generalizamos, dizendo que o “efeito estufa” é o grande vilão das mudanças ambientais globais. Sim o efeito estufa é o vilão, mas o efeito estufa antropogênico, causado pelo ser humano. Estamos interferindo no ciclo natural no qual Gaia rearranja as concentrações dos gases por meio das interações entre plantas na produção de oxigênio e captura do CO2 e produção de biomassa, pelos oceanos que capturam o CO2 através da interação oceano-atmosfera.

Curioso sabermos que nos oceanos existem 50 vezes mais CO2 que na atmosfera e que ele tem um papel fundamental na alcalinidade desses imensos corpos d'água, na formação das carapaças dos animais marinhos e rochas calcárias.

É maravilhoso como Gaia se auto-regula e mantém as condições propicias para a vida. E, ao mesmo tempo, é preocupante que não esteja claro para a maioria das pessoas que o Planeta precisa desses gases para ter vida, que Gaia se regula através de diversos ciclos, como o do carbono, nitrogênio, oxigênio para manter a homeostase, e que nós, seres humanos, estamos interferindo nesse processo como parasitas ou vírus atacando este organismo. Comportamo-nos desta forma, parasitando e atacando nosso hospedeiro e na nossa cegueira argumentamos que estamos destruindo o Planeta Terra. Ora, para um planeta que tem 4,5 bilhões de anos, que já passou por glaciações, transgressões e regressões do mar este tal efeito estufa antropogênico e as alterações no clima, não passam de um “pequeno arranhão”.

No entanto, para os seres vivos que não vivem numa escala geológica como Gaia, mas sim uma escala de vida que raramente passa dos 80 anos, estas alterações são catastróficas. Gaia nos “eliminará” como um organismo elimina seu parasita ou seu vírus, através de muita “transpiração”.

Vamos refletir um pouco: se existe uma quantidade de gases no planeta fundamentais para a vida, como alteramos esta concentração a níveis que estão modificando o clima e, consequentemente, a vida no planeta? Qual sua origem? Quando e como isso começou? Quem são os responsáveis? Quais as consequências? Outra questão ainda mais perturbadora: uma vez que não temos idéia de que existem gases que são fundamentais à vida e que, ao alterarmos estes processos, logicamente alteramos a vida no planeta, como poderemos transcender e compreender o contexto e a complexidade dos reais motivos que geram as ações que estão perturbando Gaia.

Como vimos, o Planeta Terra se comporta de forma "inteligente" em seus processos dinâmicos para regular sua homeostase e manter a sua estabilidade, mas tem limites de suporte de “inputs” que consegue regular. Se levarmos em conta que a vida como conhecemos no planeta é baseada em um equilíbrio nas concentrações de determinados gases na atmosfera, ao alterarmos estas concentrações, mesmo em valores desprezíveis se comprados a escalas geológicas, alteraremos significativamente a vida no planeta. E isso vem acontecendo, de forma significativa deste 1800 DC, devido a um fenômeno que mudaria de forma drástica e significativa as características da humanidade, a tal da Revolução Industrial, baseada no “milagre” da dominação da natureza em prol da humanidade. Uma sociedade formada por agricultores, artesãos, artistas transformou-se em uma sociedade de trabalhadores industriais e do comércio, com base na produção e no consumo de materiais extraídos sem parcimônia de Gaia.

Edificamos uma sociedade baseada no consumo sem lastro.

Neste sentido, é impossível dissociar o clima dos “bens” que dão suporte a este estilo vida “moderno”, como a matéria prima, energia, água e alimentos. Mas o que o clima e a tal mudança climática tem a ver com tudo isso? É simples, vejamos

Mudando o clima, alteram-se significativamente as características dos biomas do planeta, que são responsáveis por dar suporte a vida, não apenas a humana. Terras férteis estão gradativamente sendo substituídas por espaços cada vez mais improdutivos devido a diminuição e imprevisibilidade de períodos de chuva, outrora mais regulares. Outro fator que contribui para depauperar a qualidade do solo é resultante das escolhas e estratégias equivocadas que priorizam latifundios baseadas em monoculturas como soja, milho e cana de açúcar, que não tem como objetivo direto a alimentação humana, mas sim, servir como insumo para alimentar gado e na produção de combustível.

Nossa forma de ser e estar no planeta gera monstros: Há no mundo 7,2 bilhões de habitantes, dos quais mais de um bilhão passa fome - uma em cada sete pessoas no mundo não tem o que comer - e mais de 2,5 bilhões vivem sem saneamento básico. Estes dados, que por si só já são catastróficos, ganham ar de tragédia se considerarmos que nada efetivamente vem sendo feito para informar com contexto a humanidade sobre a gravidade deste cenário. Governos se omitem tanto no combate efetivo da emissão de gases, quanto no diálogo e cooperação entre nações para tentar remediar, mitigar e compensar estes problemas. A cada ano que passa a crise da água, do alimento, da energia, e da extração sem parcimônia de matéria prima do planeta ficam mais e mais graves.

Não demora, viveremos, enquanto humanidade, ainda mais graves problemas de oferta de alimentos e disponibilidade de água, segundo a FAO a produção de alimentos precisa crescer 70% até 2050. Como alimentaremos tanta gente se estamos alterando significativamente o clima, consequentemente destruindo a base que daria suporte a vida no planeta?

Para Bauman forjamos a ferro e fogo uma sociedade baseada no consumo, herança da mentalidade que começou a ser imposta na era pré-industrial, que antevia a audaz visão do mundo maravilhoso, milagrosamente abundante, que surgiria como resultado da intervenção humana, do domínio humano da natureza.

Baseados nesta premissa, extraímos e contaminamos sem nos darmos conta de que tudo isso se voltaria contra nós, não somente na forma de efeito do clima, mas também em nossas relações como seres humanos, nossas relações éticas, nosso valores, nossas prioridades.

Somos cegos guiados por “verdades” deliberadamente mentirosas, vivendo a farsa do bem estar e paz social, baseada na pretensa abundancia de um planeta que acreditamos nos fornecerá bens de consumo, água e alimentos de forma infinita. Há muito as ações da humanidade no planeta deixaram de ser apenas um “ensaio” sobre a cegueira

Sobre a autora | Isabel Cristina Gonçalves é Adamantinense, Oceanógrafa, Mestre em Educação e Doutora em Educação Ambiental. Atualmente trabalha como pesquisadora, Pós-Doutoranda, pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) no projeto: "Mudanças climáticas globais e impactos na zona costeira: modelos, indicadores, obras civis e fatores de mitigação/adaptação - REDELITORAL NORTE SP" | Acesse aqui o perfil de Isabel Gonçalves no Facebook
 

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