Deu zika... E agora?
Falta de visão sanitarista dos governos e ausência de gestão pública estratégica, somadas e potencializadas pelo descaso da população, são peças de um cenário preocupante, no enfrentamento ao mosquito Aedes aegypti.

Eu sinto muita raiva, uma raiva profunda a cada reportagem que leio sobre as táticas do governo para conter o zika vírus e todo este "bla bla bla" em relação as consequências! Os caras falam, falam, falam, mas ação que é bom, agir com planejamento, nada! Uma amiga que mora no nordeste, no estado do epicentro da crise, contou que estão apavorados e confusos, que a população não sabe muito bem o que está acontecendo. Pois é, enquanto capricham na retórica, a população continua às escuras! Os “caras” foram negligentes por mais de 30 anos, conviveram e ainda convivem, em suas gestões - com epidemias da dengue há anos e não moveram uma palha sequer para conter o mosquito, foram negligentes e ineptos para resolver o problema, como se a dengue fosse uma doencinha qualquer, mas não é, não!, meus caros, a dengue é devastadora, devastadora!, quem teve sabe muito bem do que estou falando. A dengue matou, continua matando, prostrou milhões de brasileiros, fez governos municipal, estadual e federal dispender obscenidades em recursos financeiros para remediar o problema, enquanto na linha de frente, na prevenção, faltou de tudo!
Infelizmente estamos perdendo a batalha contra o mosquito Aedes aegypti – taí uma coisa que o incompetente ministro da saúde disse de verdadeiro -, as autoridades (in)competentes perderam o controle, na realidade nunca tiveram e, a tudo isso se soma a deseducação nas comunidades que se “permitem” viver, passivamente, em meio ao descaso. Este quadro ilustra, também, como as campanhas educativas são inócuas, simplistas e não informam com contexto.
O que mais é preciso acontecer para que os tomadores de decisão passem a ser o cérebro e consequentemente, comandar uma força tarefa, não apenas na limpeza de terrenos, mas também na fiscalização, no isolamento de áreas com casos positivos da doença, na educação com contexto sobre o tema, além de campanhas inteligentes, contextualizadas, intensas e massivas, principalmente de porta a porta, nas rádios locais - de maior abrangência e apelo social -, associações de bairro, missas, cultos, também nas escolas...? É responsabilidade de todos, sim é, mas é fundamental que haja um cérebro coordenando a ação conjunta entre poder público e sociedade. É imperativo controlar, mas principalmente evitar, uma nova epidemia. Lideranças devem se manifestar e agir em época de crise, afinal, é isso o que se espera delas.
É um tanto quanto absurdo e injustificável que a gente (com)viva com estas epidemias diretamente relacionadas a falta de uma visão sanitarista de governos, somadas e potencializadas pelo descaso da população e uma ausência de visão estratégica dos gestores que não conseguem sequer associar ameaça e risco, restringido a ação a campanhas inócuas e descontextualizadas.
Não é admissível que ha décadas o povo brasileiro conviva com esta epidemia e governos as tratem como algo que passará quando o inverno chegar. Quantas pessoas morreram? Quantas ainda morrerão? Quantas ficaram incapacitadas de ir à escola ou trabalhar por semanas? Quantas crianças ainda nascerão com microcefalia? Quantos casos de Guillain-Barré associados ao zika vírus serão notificados?
Em 2015, o estado de São Paulo - o mais rico da federação, governado por um médico - registrou uma morte, ligada a dengue, a cada 28 horas, quase todos os municípios do estado registraram epidemia de dengue, sem que houvesse uma coordenação central e inteligência nos municípios para controlar a crise, até quando aceitaremos passivamente o descaso criminoso de nossos gestores? É inadmissível que o estado mais rico da federação padeça por falta de estratégia, cuidado, educação e saneamento básico, não é aceitável, em nenhuma hipótese, que em pleno século XXI nossa sociedade padeça com epidemia de doenças que podem, sim, ser controladas!
Mas querer o que de um país onde limpeza de terrenos públicos não é prioridade, saneamento básico não é prioridade, segurança alimentar não é prioridade, gestão inteligente no campo não é prioridade, contenção do desmatamento não é prioridade, estratégia para encarar a mudança do clima não é prioridade, segurança não é prioridade, educação não é prioridade, mobilidade urbana não é prioridade, saúde não é prioridade, mas sim, um país que tem como prioridade confundir intencionalmente a população, fazendo-a a acreditar que capacidade de consumo é sinônimo de qualidade de vida?
É arrasador, neste triste cenário, quando tudo o que me resta é concordar – em meio ao clamor de alguns grupos abastados ou diria “abestados” pela dita meritocracia, em um país tão desigual e dividido em castas como o Brasil - com o doutor Dráuzio Varella quando afirmou em um artigo que - “mil vezes ser filho de intelectuais ricos do que ter pais pobres e ignorantes. Nutrição inadequada, infecções de repetição e indigência cultural comprometem o desenvolvimento do cérebro da criança” – “Sem minimizar o impacto da escolaridade e sua influência na formação do cérebro adulto, o papel da família é crucial. Vivam juntos ou separados, mães e pais que conversam, contam histórias, leem e criam um ambiente acolhedor promovem no cérebro dos filhos respostas hormonais e neuronais decisivas para o desenvolvimento pleno”.
Pois sim, meus caros, coisas tão básicas e tão “criminosamente” esquecidas pelo poder público – mais preocupado com tal “desenvolvimento” - como: saneamento básico e qualidade da educação, segurança e emprego básica fazem toda diferença no desenvolvimento cognitivo da criança e estão diretamente relacionados.
É tão surreal que no país da Avenida Paulista, ainda vivam crianças que moram em lugares onde não há tratamento de esgoto, saneamento básico, que é o básico para um ser humano viver com qualidade de vida e, por se básico, deveria ser prioridade de todos nossos governantes. Estamos impedindo que nossas crianças – mesmo as que não nasceram sob o “signo” da microcefalia - tenham a capacidade de desenvolver todo seu potencial cognitivo, que desenvolvam e ampliem suas habilidades e competências. Estamos em pânico com a microcefalia sem nos dar conta que há muito tempo vem sendo “roubada” de nossas crianças a oportunidade de que estas desenvolvam todas as suas habilidades e competências. Por mais que se abram atalhos entre estes dois mundos, sem que seja feito um trabalho efetivo para destruir esta desigualdade mórbida na essência - que é a forma como esta criança é criada, o ambiente onde ela cresce e a escola onde é educada, eles serão meros paliativos, precisamos de profundas mudanças estruturais, não podemos, em hipótese alguma, nos satisfazer com atalhos.
Isso envolve não apenas soluções emergenciais, mas planos efetivos de melhoria da qualidade de vida da população em médio e longo prazos que envolvam: emprego para os pais, saneamento básico, escolas públicas de qualidade, segurança alimentar, um sistema de saúde que funcione, segurança pública entre tantos “pequenos” detalhes da vida cotidiana.
Um país que não observa estes “simples” detalhes - onde cidades sequer tem saneamento básico, a dengue e o zika vírus são ameaças terríveis, onde muitas de nossas crianças convivem, cotidianamente, com a violência familiar e a violência das ruas não terá nenhum futuro, ao menos nenhum futuro do que se orgulhar, porque o presente já foi “violentado” para muitas dessas crianças.
Mas como revolucionar, desestruturar e sepultar este sistema mórbido e nefasto da promoção da gratidão e satisfação com o pouco que é dado, onde o pouco concedido à população é tratado como solução e não é contestado? O que fazer quando não conseguimos identificar as armadilhas desse tal “desenvolvimento” que agrega valor apenas para os pagadores de campanha?
Que futuro há em um país, como o Brasil, quando nossa sociedade não consegue ligar os pontos e entender que todo o "lixo" está sendo varrido para debaixo do tapete? Mas que este lixo (educação, saúde, segurança, transporte, saneamento básico) mesmo debaixo do tapete continua lá, contaminando, adoentando, matando, segregando. Qual é a prioridade de nossos governos?
Quem dera que toda a “sujeira e lixo acumulados” por gestores incompetentes pudesse "agredir" nossa sociedade de forma tão impactante que os fizesse compreender que estamos vivendo uma ficção de bem viver, que ainda muito precisa ser feito, mas para isso precisamos, no mínimo, enxergar o problema.
Isabel Cristina Gonçalves é Adamantinense, Oceanógrafa, Mestre e Doutora em Educação Ambiental. Pós-doutorado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) no projeto: "Mudanças climáticas globais e impactos na zona costeira: modelos, indicadores, obras civis e fatores de mitigação/adaptação - REDELITORAL NORTE SP" & KAOSA/Rio Grande – Rio Grande do Sul. Acesse aqui seu perfil no Facebook.