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Carta aberta aos professores de Adamantina

Que motivação terá um professor para trabalhar?

Por: Isabel Gonçalves
Carta aberta aos professores de Adamantina

Estudei em uma escola pública, no Navarro de Andrade, entre o segundo ano primário e a oitava série. Na época as escolas públicas de Adamantina não eram ricas, mas nunca algo nos faltou. Reverencio meus professores desse tempo e, tenho por eles profundo carinho e gratidão! Hoje, depois de dois mestrados, um doutorado e um pós-doutorado, feitos em Faculdades Federais e meu pós-doutorado pelo ITA, tenho plena consciência da importância do Navarro e de meus professores em minha formação. Eu sou cria do Navarro de Andrade e de seus professores. E me indigna a forma como estes professores vem sendo tratados e desvalorizados! Que motivação terá um professor para trabalhar?

Sem políticas públicas, competência, comprometimento, respeito e vontade política dos gestores do município e estado é impossível sairmos desse ciclo vicioso em que se meteu a educação pública de nosso país, mas sabemos que políticos só funcionam a base de pressão, então que a pressão seja feita, não apenas pelos professores, mas sim por toda a sociedade.

Pois sim, sabemos que as prefeituras estão em quase estado de penúria, muito devido ao estrangulamento promovido pelo governo federal e estadual, e para piorar o cenário, no caso de Adamantina e região, há nenhuma, ou pouquíssima força política, pois, por estas bandas, não conseguimos união para eleger deputados, nem estadual, o que dirá federal, mas muito dessa “miséria”, também é consequência de administrações obtusas, fisiológicas e clientelistas. Infelizmente nossos políticos se acostumaram a governar com o que tem, não estão “habituados” a buscar novos recursos e investimentos, o que ganhamos com isso? Outro grande problema (devido ao clientelismo, fisiologismo e apadrinhamento) é que sujeitos despreparadas assumem secretarias, além de uma máquina extremamente inchada. Há um sucateamento estrutural e também humano, isso é grave e precisa ser revertido, mas para tanto a população precisa entender este processo e começar a fazer seu papel, que é o de não apenas exigir que a “coisa” certa seja feita e fiscalizar, mas acima de tudo, entender todo este processo e sacudir a cena política partidária.

Pois é, minhas caras professoras e professores, infelizmente nossa sociedade não consegue atribuir responsabilidades, isso acontece porque não compreende o que é função do cidadão, da federação, do estado e do município, por não participar da vida pública da cidade, por ser subserviente a qualquer autoridade política como se fossem seres superiores e não o que realmente são, agentes públicos que ocupam cargos públicos para servir a população e não se servir da população.

O que deveria motivar mulheres e homens que se candidatam a ocupar um cargo público? Prefeitos, vereadores, secretários, diretores, cargos de confiança, concursados? Nada mais e nada menos do que servir o público com qualidade e correção. Espera-se de pessoas públicas a grandeza de grandes homens, não a covardia de meros oportunistas que se apropriam do público para benefício pessoal ou como cabide de emprego. É inadmissível, triste e revoltante que o que o “público” seja uma forma de garantia de emprego para muitos, dessa forma quem não tem a mínima ligação, habilidade, competência ou aptidão para determinados cargos, ocupam espaços estratégicos simplesmente porque são bons cabos eleitorais, fazem parte do partido ou outros tipos de acordo. Qual o custo para a cidade? Qual o custo para a população?

Vivemos tempos negros, de uma amoralidade e falta de ética ímpar, onde o que importa é trabalhar em benefício próprio ou de grupos e, infelizmente, este “pequeno detalhe” nem causa vergonha em muitos agentes públicos. O caso do corte da merenda para professores – por mais que não conste na tal lei - é algo que me assombra pela naturalidade como é tratado. Em que lugar do universo é natural que um professor não possa dividir a merenda com seus alunos?  Só em um mundo onde nossos agentes públicos e população perderam o sentido de cidadania e política, só em uma cidade onde a cultura e a educação não são prioridade, pois se assim o fossem, agentes públicos deveriam ser os primeiros a entender a dificuldade e abdicar de parte de seus salários para cobrir o rombo da educação. Vereadores, secretários, prefeitos, diretores... Ou trabalhar para desinchar uma máquina gigantesca, acéfala, ineficiente e inoperante. Não, isso não é demagogia é o que fariam os verdadeiros e grandes mulheres e homens públicos, aqueles que se candidatam e ocupam cargos para servir ao público e não se servir do público.

Uma cidade pequena como Adamantina paga muito bem seus secretários prefeitos e vereadores, mas não tem recebido em troca a competência gestora. Nada mais natural que estes agentes públicos sejam cobrados, não apenas por suas ações, mas também, questionados pela população se merecem, realmente, receber o que ganham. Em tempos de crise, medidas extremas e inteligentes precisam ser tomadas, que sejam então baseadas na inteligência, competência, e planejamento.

Pergunto a vocês, sobre a educação - a estratégia básica para sustentar um cidade, estado e federação - o que será que mudou de nosso tempo de crianças até os dias de hoje?

Um país que dá as costas para a educação se volta contra o presente e o futuro, nenhuma nação sobreviverá com dignidade se a educação de base não for prioridade de governos. A educação se faz com boa gestão, planejamento e valorização de todos os profissionais envolvidos na digna missão de educar, desde as faxineiras das escolas, passando por supervisores, bibliotecários, merendeiras, professores e gestores! Eu lamento profundamente por nossos professores, que não merecem, em hipótese alguma, serem tratados com tanto descaso e desfaçatez.

Mas é de extrema importância contextualizar a educação em nosso país. A precária educação de base no Brasil, que é gerenciado por municípios e estado não se fez em 2015, ela é algo constituído e construído há décadas, passou da hora de darmos um basta nisso tudo.

E lá se foram 8 anos de FHC (PSDB) + 8 anos de Lula (PT) + 4 anos de Dilma (PT) = 20 anos de governos pós período de hiperinflação, que corroia salários, inviabilizava planejar e projetar o Brasil em médio e longo prazos, consequentemente, jogava a esperança do povo no fundo do poço.

No Estado de São Paulo são 20 anos de governo do PSDB. Nos municípios do Interior são 20 anos de governos conservadores. E o que todos fizeram pela educação de base?

Tivemos 20 anos para reestruturar o país, estado e municípios e colocar o Brasil entre países que priorizaram a educação como mote de transformação societária – como os países nórdicos e Coréia do Sul, por exemplo - capaz de implodir a triste desigualdade social que assola o país e o dividia entre castas. Vinte anos para colocar o país entre os que desenvolveram tecnologia de ponta, que aperfeiçoou e modernizou sua indústria, que investiu em eficiência energética, que desenvolveu gestão estratégica e inteligente para o campo, que modernizou os modais de transporte. Vinte anos para sermos conhecidos como o país que promoveu a inclusão social de forma definitiva, sem volta, através da educação, promoção de empregos de alta qualidade, bons salários, saúde inclusiva e de qualidade, saneamento básico chegando a todos os lares, transporte urbano eficiente e de qualidade e segurança pública.

Mas pergunto a vocês, o que foi feito nestes 20 anos?

O que foi feito da educação em Adamantina?

O descaso com a educação não se fez com a crise de 2015, é apenas o reflexo de uma péssima gestão da educação em nosso país.

Pergunto a vocês, quem neste país pode se dar ao luxo de escolher qual escola matriculará seu filho? A grande maioria dos brasileiros luta por conseguir uma vaga em uma creche e não encontram vagas, já nas escolas, embora haja vagas, não há estrutura para escolher, ou é esta escola, ou é esta escola e, ponto! Há algo de muito errado em nossa apatia. Pergunto, o problema da educação Municipal e estadual vem de hoje? Elas dependem exclusivamente de verbas destinadas pelo governo federal? A resposta é - não! Qualquer país, estados e municípios deveriam priorizar a educação e a prevenção de doenças, isso é básico. O orçamento deve ser pensado e gerido salvaguardando estas verbas. Por este motivo, as notícias relacionadas à saúde e educação são tão alarmantes, pois elas remetem a resignação e incompetência gestora, mas não podemos nos resignar, em hipótese alguma!

Aqui em nossa querida terrinha, em Adamantina, a escola precisa ser pensada pelos gestores como um espaço educador que abriga muito mais do que professores e alunos.

Em um espaço educar deve haver uma gestão comprometida com a escola, acomodações físicas que deem suporte a aprendizagem, como prédios climatizados, acessibilidade, salas com material multi mídia, bibliotecas equipadas, ginásio de esporte, materiais esportivos, salas de música, por exemplo. Escolas não são depósitos de crianças e professores, mas, sim, deveriam ser idealizadas como espaços educadores sustentáveis.

Pergunto, hoje os prédios das escolas municipais e estaduais são melhores do que eram no passado? O que ao longo dos anos foi aperfeiçoado? O que não melhorou? Há planos para a mudança? Qual o plano para a escola, além do currículo, em médio e longo prazo?

Voltando a questões "polêmicas", como a água mineral, café e merenda para professores, foi dito que as escolas nunca disponibilizaram a água mineral para o professor, mas para mim isso é um absurdo que deveria ter sido solucionado há muito tempo, e isso deveria fazer parte da reivindicação dos professores. Isso não é esmola, mas sim é um ato de dignidade e respeito do gestor público para com o educador. Porque a gente tem sempre que se contentar com a justificativa de que não há dinheiro? Pode não haver dinheiro, mas se houver vontade política de priorizar educação, projetos serão criados e desenvolvidos para solucionar o problema de falta de verba. Será que não estamos nos acomodando e aceitando nada como se fosse tudo, e, ainda agradecendo de joelhos pelo pouco que nos é dado?

Devemos pensar a escola como um espaço educador, portanto é imperativo ir muito além da rotina de aula, mas para isso precisamos arriscar mais, propiciar uma melhor formação dos professores e também qualificar seu ambiente de trabalho. Precisamos inovar, planejar em curto, médio e longo prazo, valorizar o profissional, e, por incrível que pareça, além da formação e da apropriação e constituição do conteúdo pelo professor, a merenda, a água mineral, o café entre tantos outros “detalhes” contribuem neste sentido.

Entendo que é uma caminhada, mas precisamos dar logo os passos, é necessário revolucionar nosso ensino de base e isso jamais será possível sem a valorização do professor, mas não apenas a valorização financeira, mas sim do ser humano.

Mas para que isso seja viável precisamos de gestores comprometidos, e que compreendam a importância e a prioridade da educação para a sociedade.

Repito, a escola precisa ser pensada e gerida como um espaço educador sustentável, baseada na intencionalidade pedagógica de educar para o enfrentamento dos novos tempos, e as novas demandas socioambientais e socioeconômicas.

Uma escola enquanto espaço educador sustentável necessita ser pensada através de suas singularidades e das peculiaridades locais e, portanto seus problemas não devem ser apenas assunto de cientistas, técnicos, governos, mas sim, por toda a sociedade que “vive” esta escola para juntos constituírem uma escola educadora sustentável.

Existem projetos muito interessantes sendo desenvolvidos em nosso país. Adamantina pode se inserir nestes novos tempos, mas é preciso além de vontade política a vontade de moradores e empresários, para que juntos busquem alternativas.

Passou da hora de haver engajamento político da população, não me refiro a engajamento político partidário, mas a política da cidadania, da participação ativa nas tomadas de decisão e na transformação qualitativa da sociedade, para que esta tenha habilidades e competências para enfrentar todos os problemas, pois vivemos uma grande crise civilizatória. Precisamos buscar novas alternativas. Para tanto, criticar, refletir, problematizar e buscar soluções para nosso sistema educacional já é um grande começo.

Pensem em todos os administradores que esta cidade já teve, reflitam sobre os absurdos cometidos por muitos deles e, como isso nada significou, pois muitos ainda têm a cara de pau de se candidatar, eleger laranjas, ou fazer parte de grupos para conquistar um naco da cidade, baseados em coligações que renderão “tenebrosas transações”.

Já é hora, na realidade, passou da hora do cidadão dessa cidade dar uma basta em tudo isso, chega!

 

(*) Isabel Cristina Gonçalves é Adamantinense, Oceanógrafa, Mestre em Educação e Doutora em Educação Ambiental. Atualmente trabalha como pesquisadora, Pós-Doutoranda, pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) no projeto: "Mudanças climáticas globais e impactos na zona costeira: modelos, indicadores, obras civis e fatores de mitigação/adaptação - REDELITORAL NORTE SP".

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