Retrato

Bem vindo ao país da microcefalia

Saúde pública, corrupção, política, desgoverno e outros desmandos que descrevem o Brasil contemporâneo.

Por: Isabel Gonçalves
Bem vindo ao país da microcefalia

Nosso país se transformou em enredo de algum conto fantástico de terror trash, onde você dorme e acorda no passado, imerso em um pesadelo, queimando no inferno de Dante. Um passado negro e tenebroso que insiste em ser o hoje. Vociferamos contra Cunha, o ser psicótico e corrupto que tomou conta da “casa”, sem contextualizar por que ele está lá. Não é do nada que um ser cruel e soturno domina a mais alta esfera de decisão de um país, pois ele nada mais é do que o produto de conluios e maracutaias para manter grupos em nacos específicos de poder.

Um corrupto como o Cunha está “dominando” as pautas do congresso porque as forças políticas desse país assim permitiram, alguns por conivência, outros por indecência! Cunha é o reflexo dessa nossa política podre, corrompida e decrépita, lapidada para ser o que é! Todas estas forças medievais que ressurgiram das trevas só criaram vida e força porque em alguma parte da história recente de nosso país foram alimentadas, muito bem alimentadas, pelo desejo de poder e pelo silêncio da maioria, que preferiu assistir as indecorosas transações e conluios político partidários em silêncio! Cunha não está só, Cunha não é o único a ter contas na suíça, fazer parte da bancada da bíblia, poderia ser da bola, da bala, do boi, das empreiteiras ou de qualquer outra, ou estar ligado às indecorosas transações da Petrobrás, ou de qualquer outra estatal! Cunha não é a voz medieval que trouxe trevas a este país, ele é a caixa de ressonância.

Graças a este mórbido sistema político assistimos estarrecidos a morte do Rio Doce, o Etinocídio resultante de Belo Monte, ou o poder emergente do corrupto PMDB do Rio que faz e acontece com fartas verbas públicas e privadas que desembarcaram por aquelas terras com a “desculpa” de uma Copa do Mundo e Olímpiada, enquanto isso a cidade das remoções criminosas resultante das construções para eventos e da especulação imobiliária e vive uma crise sem precedentes na saúde pública, ahh o dinheiro e suas prioridades.

O que dizer do prêmio recebido pelo governador do Estado de São Paulo por sua desastrosa gestão do sistema Hídrico? Ou saber que estado de SP mascara dados de segurança, que sucateou a USP, e que o PSDB, partido no poder há mais de 20 anos está enrolado, até o pescoço, com o Trenslão e outras tantas maracutaias.

Falar o que de uma presidentA que destruiu o sistema energético do país, que tem sua base de sustentação, do PT, passando pelo PP e chegando ao PMDB chafurdados na lama da corrupção da Petrobrás, presidentA que não governa, mas sim sobrevive e, serve, tudo para manter alguns dedos, pois os anéis já se foram, e pasmem, muitos dedos, também. O governo não governa, respira e para manter os aparelhos ligados alimenta Renans Calheiros da vida para manter o que resta.

¿Ou vocês acham que uma tragédia como a de Mariana não poderia ter sido evitada caso houvesse real interesse de nossos governos em cuidar dos interesses da população e não de mineradoras e empreiteiros que estão mais interessados em extrair nossas riquezas e externalizar os custos, ficando com os lucros e repassando os prejuízos sociais, econômicos, culturais e ambientais para a população? Como num passado não tão distante, voltamos a vender as riquezas de nosso país a preço de banana – onde poucos lucram quantias obscenas - e depois comprar de volta estes produtos – industrializados - a preços altíssimos!

Graças a nossa não percepção real dos fatos e nosso comportamento de torcida fanática de futebol que não envergonharia Rooligans ingleses ou os Barra Brava da Argentina, brigamos esquerda e direita, mas somos incapazes de cobrar nossos governos, pior matemos a caterva no poder, com a desculpa de que o outro será um desastre para o país! Sinto em lhes informar, mas o hospício já está instalado!

Graças a este escabroso cenário político, deste tal presidencialismo de coalizão que se reflete nos estados e municípios, os eleitos dividem o país, estado e municípios em feudos. Políticos incompetentes que tem cacife ou seus apadrinhados tomam posse de ministérios, secretarias, agências reguladoras, bancos públicos e estatais levando junto uma corja de gafanhotos, preocupados em ocupar espaços e tirar o máximo proveito financeiro e político de suas ocupações. Como disse a maravilhosa e sem igual Clarice Lispector, em Brasília as almas não fazem sombra!

Por causa disso, diálogos como estes é comum hoje em dia

- Mais seguro não engravidar em tempos de zika
- Melhor não vir para o Brasil, ela está gravida e pode ser picada pelo mosquito
- Mas ela vai para São Paulo e em São Paulo não há casos registrados
- Há casos sim, mas o governo do estado está escondendo estes dados.

Como é que é? Hoje em país a mulher não pode engravidar, pois seu filho pode nascer com microcefalia, é uma aberração a forma irresponsável como graves problemas desse país são tratados. Se há leishmaniose, matam-se cachorros, se há risco de microcefalia, não engravide! Resolver o problema, que é buscar erradicar o mosquito transmissor daria trabalho demais para esta gente acostumada a não ter trabalho e, vejam vocês, recursos usados para outros fins, como carnaval, Olímpiada, Copa do Mundo, festas em cidades, por exemplo, deveriam ser utilizados na prevenção! Também requereria um plano integrado de ação, em curto e médio prazo, mas para isso precisariam de inteligência gestora, mercadoria em falta nas administrações públicas.

Este estado de coisas é criminoso e já seria o bastante para não elegermos nenhum desses que por aí estão e botar um “tantão” de gente na cadeia, gestão irresponsável deveria ser punida com prisão e devolução do salário.

Neste ano o país foi assolado por uma epidemia sem precedentes de dengue. Ontem, dia 22 de dezembro, 2782 casos suspeitos de microcefalia em 618 municípios foram registrados.

Pergunto-me onde estão os bloqueios, os quintais e terrenos públicos sendo invadidos por técnicos contratados em estado de emergência, onde está o exército e o tiro de guerra? Deveriam estar “varrendo” cidades, eliminando focos, educando com contexto e jogando larvicida nos possíveis focos, pois meus caros, o tal fumacê é “tão eficiente” como eficiente é o bloqueio do mosquito sendo feito por apenas 4 pessoas – este fumacê é ineficiente e apenas contribui para contaminar ainda mais o ambiente.

Como é possível que um país rico como o nosso não priorize a erradicação desse mosquito? Como é possível que o ministro da saúde, o secretario estadual da saúde e secretários municipais de saúde apenas dê de ombros e atuem no tratamento e não na prevenção? Se no século passado conseguiram erradicar a febre amarela, pergunto a vocês, como no século XXI não conseguem sequer fazer o mesmo, pior, nem ao menos tentam, deixaram de priorizar a prevenção, isso é omissão e descaso, em qualquer país decente isso daria um belo processo por negligencia, talvez seja isso, falta em nosso país que estes irresponsáveis sejam culpabilizados por sua negligência.

E vocês acreditam que o novo ministro da Saúde tem competência para gerenciar esta guerra? É um ser inexpressivo que ocupa o cargo como barganha para que uma ala do PMDB vote em favor do governo federal. Como bem disse Ligia Bahia em artigo para o jornal O Globo “O ministro da Saúde, um político dedicado aos negócios pecuários, cujo perfil é o oposto ao requerido para liderar o esforço para esclarecer e organizar o enfrentamento da microcefalia, lançou às trevas ações setoriais estratégicas. O programa de Aids foi destituído dos seus componentes de direitos humanos, entregou-se a saúde mental a um ex-diretor do hospício, que por anos submeteu pacientes a condições desumanas, e a bucal a um representante do mercado de planos odontológicos privados”.

Absurdos como epidemias de dengue, que por anos assolam o Brasil, são resultantes da inépcia de governos em planejar um país em médio e longo prazo, é consequência de projetos de poder e não de nação, dá absurda ideia de que um país que vende carros e tevês é equânime e civilizado. Sinto muito, meus caros, pois enquanto mosquitos prostrarem milhões, matarem milhares de brasileiros e condenarem toda uma geração a microcefalia nosso país não tem nada de civilizado, mas sim de terceiro mundo, pois não tem sequer saneamento básico, que é o básico que um ser humano precisa para viver bem. Vivemos em um país governado por corruptos, medíocres e incompetentes.

É um tanto quanto absurdo e injustificável que a gente (com)viva com estas epidemias diretamente relacionadas a falta de uma visão sanitarista de governos, somadas e potencializadas pelo descaso da população e uma ausência de visão estratégica dos governos que não conseguem sequer associar causa e efeito, restringido a ação a campanhas inócuas e descontextualizadas. Como propagandas alardeando que é a fêmea do mosquito é quem pica, “nossa, sério!!” “Agora iremos todos tentar analisar o sexo do mosquito”! A gestão desse grave problema deveria ser inteligente e integrada, as campanhas de sensibilização e educação da população sobre este problema deveriam ser realistas e estratégicas, que realmente informam, não um amontoado de clichês sobre o tema. É inadmissível que mesmo conhecendo esta ameaça a inoperância e incompetência de gestores exponham a população a tal risco. Quando estes gestores serão responsabilizados por sua gestão irresponsável?

Não sabemos atribuir responsabilidades, pois não compreendemos o que é função do cidadão, da federação, do estado e do município, isso acontece por que não participamos da vida pública da cidade, porque somos subservientes a qualquer autoridade política como se fossem seres superiores e não o que realmente são, agentes públicos que ocupam cargos públicos para servir a população e não se servir da população.

Isabel Cristina Gonçalves é Adamantinense, Oceanógrafa, Mestre em Educação e Doutora em Educação Ambiental. Atualmente trabalha como pesquisadora, Pós-Doutoranda, pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) no projeto: "Mudanças climáticas globais e impactos na zona costeira: modelos, indicadores, obras civis e fatores de mitigação/adaptação - REDELITORAL NORTE SP" | Acesse aqui seu perfil no Facebook.

 

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