Revelações
Novos desdobramentos revelam interesses e a verdadeira face de muitos que estão próximos ao Ãndio Baiá, em sua saga polÃtica.

Baiá continuou enxugando a louça, encafifado com a história do inimigo invisível. Colocou o prato sobre a mesa e virou-se para Danilo, que fechava a torneira da pia depois de enxaguar a última panela:
− Danilo sabe como pegar inimigo invisível?
− Não, Baiá. Vamos terminar aqui e te mostro o que gravei.
− Danilo gravou inimigo invisível?
Danilo, que começara a guardar a louça enxugada por Baiá, riu.
Terminaram de arrumar a cozinha e foram até a ficcioneria, como Danilo chamava seu espaço de trabalho e que ficava no piso superior da casa, logo depois da escada, antes do banheiro. Danilo tirou os sapatos, colocou-os ao lado da porta e entrou. Baiá, também tirou os sapatos, entrou e impressionou-se com a quantidade de livros que cobriam quase todas as paredes. À esquerda, um balcão de madeira maciça de uns dois metros de comprimento. No canto, acima do balcão, um monitor de alta definição e uma câmera de vídeo minúscula.
Danilo convidou Baiá a sentar-se na poltrona e ligou o monitor. Depois, com o controle remoto nas mãos, explicou que ele gravara aquelas imagens na reunião do prefeito com outros políticos, aliados, amigos, e até com os inimigos. Correu as imagens. Congelou uma delas, aproximou o dedo da tela e apontou:
− Este aqui, Baiá, é o Teobaldo Cordeiro, presidente do partido do Jotabê e o principal oponente do prefeito, que, você sabe, é candidato à reeleição.
− Baiá conhece. Ele fala um monte de palavras que não cabem na cabeça, deixa Baiá confuso.
− Ele participa das entrevistas?
− Não. Só fala o quê Baiá deve falar. Baiá ouve, mas não escuta. Depois Teobaldo fica bravo com Jotabê e vai embora.
− Então, Baiá, preste atenção no que ele dirá – e apertou o play. Na tela, Teobaldo levanta-se de sua cadeira e caminha em direção ao prefeito:
− Excelência, é preciso esclarecer algumas coisas. De fato, apoiamos esse índio, mas por puro engano. Ele nos foi trazido por um companheiro e apresentado como um político em potencial. Mas esse índio é um verdadeiro anarquista e está prejudicando a gente. Estamos até pensando em expulsar o responsável por esse terrível equívoco. De modo, Excelência, que estamos falando a mesma língua.
Danilo congelou novamente a imagem e se dirigiu a Baiá que estava com os olhos fixos na tela, prestando a maior atenção:
− Entendeu? Eles querem te eliminar. E vão começar eliminando o Jotabê.
− Matar Jotabê?
− Não. Desligá-lo do partido. Acabar com a carreira política dele e, claro, conseqüência natural, com a sua.
− Jotabê sabe? Precisa avisar Jotabê.
− Não se preocupe, eu vou avisar Jotabê sim, mas tem uma coisa, ninguém pode saber que estas imagens existem. Nem o Jotabê.
Baiá não falou nada. Voltou a olhar para a imagem congelada de Teobaldo. Danilo retomou o assunto:
− E isso não é nada, Baiá – acelerou as imagens – esse fulano aqui – indicou para o canto direito da tela – é o Aluizio Costa. Com esse jeitinho manso, esse cara faz miséria. Consegue destruir gente com facilidade. E olha só o que ele propôs – apertou a tecla play.
Sentado no sofá, num canto da sala, um senhor gordo, de seus sessenta anos, cabelos grisalhos, fala com a voz calma, mas o suficientemente alto para que todos possam ouvir:
− Estamos fazendo tempestade em copo d´água. A coisa é mais simples do que parece. Querem eliminar o índio? Fácil. Não deixem que ele vire notícia. Se a mídia ignorá-lo, aos poucos será esquecido e estaremos todos salvos. A merda é que a campanha contra a corrupção continua. Essa, sim, tinha que parar.
Danilo interrompeu as imagens novamente e se dirigiu a Baiá:
− Entendeu? Se você deixar de ser notícia, você não existe. Aí sua carreira acaba. Entendeu agora porque o inimigo é invisível? Não tem como lutar contra ele.
A campainha tocou. Danilo foi até o corredor, olhou pela janela e gritou:
− Já vou – foi até a porta de sua biblioteca, avisou Baiá da chegada de Jotabê e Avati e saiu em direção à escada, depois de calçar os sapatos.
Com os olhos fixos na imagem congelada de Aluizío Costa, o índio continuou sentado durante algum tempo. Depois, levantou e caminhou em passos lentos até a porta, resmungando em voz baixa:
− Sombra de árvore é perigosa. Galho podre cai e acerta cabeça.
E desceu as escadas, repetindo como se fosse um mantra: sombra de árvore é perigosa. Galho podre cai e acerta cabeça. Danilo, que estava caminhando em direção à cozinha, acompanhando Jotabê e Avati, ouviu a lamúria e parou, dirigindo-se a Baiá:
− Isso lembra minha mãe. Ela sempre dizia: filho, a gente tem que se proteger na sombra de árvores frondosas. Achava isso uma merda. Dizia que era puxa-saquismo e ela ficava brava. Vamos pra cozinha. Avati e Jotabê devem estar com fome.
Baiá não entendeu muito bem o que Danilo quis dizer, mas não falou nada. Limitou-se a acompanhá-lo. Jotabê e Avati estavam estáticos diante do buraco na parede. Quando Danilo entrou na cozinha, Jotabê fez a pergunta óbvia:
− Que aconteceu? Atentado terrorista?
Danilo riu e apontou na direção de Baiá:
− Pergunte a ele.
Jotabê esperou Baiá cumprimentar Avati e aproximou-se, dando-lhe um abraço prolongado do qual o índio logo procurou desvencilhar-se, e perguntou:
− Você que explodiu a parede?
Baiá meneou a cabeça:
− Forno de homem branco. Explodiu. Baiá teve sorte.
Danilo, que colocava água no fogo para ferver e preparar um café virou-se para Jotabé e disse, em tom irônico:
− Também, pudera. Colocar papel alumínio no microonda. Mas não tem nada não – deu um sorriso tímido – O prejuízo ele paga com o dinheiro que ganha de você.
Jotabé desmanchou de imediato seu sorriso quase eufórico e desconversou:
− Você vai fazer café?
Alheios à conversa, Baiá e Avati saíram da cozinha e foram conversar na área de serviço. Baiá ansiava pelas novidades, afinal Avati viajara durante dias visitando chefes indígenas e ele queria saber os detalhes. Avati conseguira aliados para sua carreira de político? Aprendera com Jotabê que, em política, ter grupos de pressão era um mecanismo razoável. Dava força para o político. Impulsionava sua carreira. O rosto de Baiá desenhou um sorriso delicado enquanto ouvia o relato bem sucedido do amigo. Mas, ao ouvir a voz de Avati ganhar um tom grave e pronunciar a terrível frase: − Todos concordam em unir-se, juntar suas forças e protestar, mas não quer político. Ninguém ajuda Baiá. – seu rosto contraiu-se. Emudeceu. Sem pronunciar palavra, Avati observou a reação do amigo. Danilo apareceu à porta convidando-os para o café. Avati entrou primeiro, seguido por Baiá cabisbaixo, olhando pro chão.
Jotabê, depois de comer um razoável pedaço de peixe que sobrara do jantar, levantou-se da cadeira, bateu com a mão direita na barriga, e disse:
− Enquanto vocês lavam a louça, vou ao banheiro.
Danilo deu um sorriso do tipo “esse cara não tem jeito” e falou:
− Vá ao banheiro de cima. O daqui de baixo tá com problema.
Jotabê não acreditou no que ouvia. Finalmente conheceria o famoso espaço secreto de Danilo. Sonho de consumo de muita gente que freqüenta o Marrocos. E agora, ele, Jotabê não só conheceria seus segredos como a chave era dada pelo próprio dono. Saiu da cozinha e, antes de chegar à escada, ouviu Danilo gritar:
− É na primeira porta à direita, depois do escritório.
Jotabê subiu a escada de dois em dois degraus e parou no topo. Olhou para a esquerda. Porta fechada. Provavelmente o quarto. Olhou para a direita. No fundo do corredor, a porta do quarto onde Baiá e Avati dormiam, estava aberta. Começou a caminhar. Logo à frente, à direita duas portas, a segunda, certamente o banheiro; a primeira, o escritório. Ops! Está aberta. Lá dentro a luz eletrônica do monitor chamou a atenção. Entrou. Reconheceu na tela a imagem dos políticos. Apertou o play. Caramba! É a reunião secreta do prefeito com os candidatos. Como Danilo teria conseguido essas imagens? Foi até o computador e encaminhou por e-mail, para si mesmo, o arquivo. Ouviu a voz de Danilo vinda lá de baixo:
− Tá com problema, Jotabê?
Logo em seguida passos subindo a escada. Finalizou o envio e saiu correndo em direção ao banheiro. Fechou a porta e ouviu vozes no corredor. Teria sido visto? Encostou o ouvido na porta. Eram Avati e Baiá que se dirigiam ao quarto. Respirou, aliviado.
Desceu as escadas e foi até a cozinha. Onde estaria Danilo? Voltou pelo corredor até a sala e encontrou-o descendo a escada.
− Você estava lá em cima? – perguntou meio intrigado.
Os lábios de Danilo se distenderam para os lados, o canto da boca elevou-se ligeiramente e falou:
− E onde estaria? Se desci a escada é porque estava lá em cima.
Jotabê contraiu a testa. Não sabia o que o preocupara mais, se a ironia do sorriso ou a acidez da fala. Por que estava falando daquele jeito? Viu Jotabê sair do escritório? Ou seria mais uma daquelas brincadeiras de mau gosto que costumava fazer? Deu um sorriso sem graça e torneou o corpo em direção à cozinha. Mas, estremeceu ao ouvir a voz de Danilo, às suas costas:
− Preciso conversar com você.