Pequenas Mentiras

Psiu!

Silêncio: vamos trabalhar!

Por: Cesar Carvalho | pequenasmentiras49@gmail.com
Psiu!

O escritório, uma ampla sala com quatro escrivaninhas dispostas no centro, abriga os quatro sócios, todos especialistas naquilo que fazem. Carlos, arquiteto, é encarregado de elaborar os primeiros desenhos dos projetos; Rodrigo, engenheiro com especial predileção por matemática, encarrega-se dos cálculos; José, o mais novo, ocupa-se em conferir o trabalho dos dois anteriores e passar para Bruno, o encarregado da aprovação junto aos clientes.
Naquele dia, como usual, chegaram no horário, tomaram café e dirigiram-se cada um para sua mesa. Carlos foi até o arquivo onde estavam os projetos antigos, selecionou um deles e voltou para sua escrivaninha. José, que estivera observando-lhe o movimento, não se conteve e brincou:
− Como sempre, lhe falta imaginação, hein Carlos? Sua criatividade devia chamar-se copilhatividade – e riu.
− Copilhatividade?! Onde você arrumou essa palavra? Ela existe?
Rodrigo interrompeu seu trabalho, olhou para Carlos e esclareceu:
− Claro que não. José adora criar palavras valises igual aos poetas concretistas. A diferença é que ele só entende de concreto, nada de poesia – e riu.
Bruno, que até então se mantivera em silêncio, não se conteve:
− Co-pi-lha-ti-vi-da-de. É uma bela palavra, sabe. Define bem o trabalho do artista criativo.
− Vocês estão bagunçando minha cabeça. Estão querendo dizer que meus projetos não são criativos?! O que afinal é copilhatividade – perguntou Carlos, meio incomodado com a brincadeira dos amigos.
Bruno esclareceu:
- Calma, Carlos, você é um projetista dos melhores e trabalha com ideias originais. O que o José quer dizer é que para criar seus projetos você sempre se baseia em outros, anteriores, daí a junção das palavras cópia e criatividade. Acho perfeita.
O telefone tocou. Bruno atendeu e, enquanto ouvia a voz, do outro lado da linha, seu rosto avermelhava-se. Pediu desculpas e disse que resolveria o problema ainda naquele dia. Colocou o telefone no gancho, permaneceu em silêncio alguns segundos e dirigiu-se aos amigos em tom grave:
− Para a sala de reunião agora, pessoal. Temos um problema a resolver.
Olharam-se surpresos. Cáspite, que tipo de problema aquela ligação trouxera à equipe? Imediatamente todos se encaminharam para a sala contígua. Bruno foi direto ao assunto:
− O cliente que nos ligou, um dos mais importantes, está descontente com nosso trabalho. Além de entregarmos em cima da hora, o último foi com alguns erros técnicos. Ainda bem que eles descobriram, caso contrário seria um desastre.
− Impossível − contestou José − confiro todos os cálculos e sempre que encontro algum erro devolvo para o Rodrigo, não é mesmo, Rodrigo?
− O cliente não tem nada que reclamar de entregarmos no último dia, afinal, último dia não significa atraso – protestou Carlos – a gente nunca deixou de cumprir nenhum contrato.
Bruno, com paciência, tomou a palavra:
− O cliente não está nos chamando de incompetentes, está é chateado por errarmos os cálculos que, segundo ele, foi por puro descuido. Isso nunca tinha acontecido antes. Temos que tomar alguma providência para evitar esses dissabores.
O silêncio se fez pesado. Em seus rostos desenhou-se a interrogação: o que fazer para impedir novos erros?
− Nosso problema não é de incompetência, nem falta de profissionalismo, − explicou Bruno - nosso problema é a gente mesmo que produz. Falamos demais durante o expediente, perdemos tempo jogando conversa fora e, quando o prazo final se aproxima, a gente corre feito louco, mas as conversas fúteis continuam. Concordam?
Todos concordaram. De fato, desde que montaram a empresa, a rotina diária sempre fora permeada por muitas conversas que nada tinham a ver com trabalho. Afinal, antes de serem sócios, eram amigos. Só não tinham percebido o quanto isso atrapalhava a eficiência até Bruno atender ao telefone. E foi Bruno quem fez a proposta:
− Se todos estão de acordo proponho, a partir de hoje, que a gente trabalhe em silêncio. Sem pronunciar nenhuma palavra até o fim do expediente. Depois a gente fala à vontade.
Voltaram ao escritório e retomaram suas atividades em silêncio. Um vento forte fez com que a janela, próxima à escrivaninha de Carlos, batesse forte produzindo um ruído intenso. Carlos levantou-se, reclamando:
− Merda, essa janela... A gente precisa dar um jeito. Todo dia é isso, qualquer ventinho ela bate.
José olhou para Carlos e o recriminou:
− A gente tinha combinado de trabalhar em silêncio.
Rodrigo não se conteve:
− Vocês dois quebraram a regra.
Bruno, que estava em pé, examinando um projeto, olhou para os três e mexeu a cabeça em sinal de desaprovação:
− Só eu fiquei em silêncio!

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