Sociedade

Mulheres que inspiram: a história da Dona Jacaré

Todo mundo conhece uma mulher que te inspira.

Débora Nazari | Cientista social, jornalista, escritora e adamantinense | nazaridebora@gmail.com Colunista
Débora Nazari | Cientista social, jornalista, escritora e adamantinense | nazaridebora@gmail.com
(Imagem: Thom Masat/Unsplash). (Imagem: Thom Masat/Unsplash).

Dona Jacaré era uma mulher assim, enquanto te dava um beliscão (daqueles que não doem) te chamando de “vem cá passarinho” era uma gargalhada daquelas de abrir um bocão capaz de ecoar por um quarteirão. Era chegar em sua casa, o cheiro de incenso misturado ao som de Daniela Mercury e a mesa de jantar repleta de livros e papéis de um dia atribulado de professora. São inúmeros anos da minha vida de menina, que vivi ao brincar no mundo encantado de seu jardim, na companhia da cantoria da igreja protestante do outro lado da rua. Toda visita na casa da tia Nadir era uma alegria.

Como filha, a segunda da linhagem, porém mais nova que o filho caçula, afinal, idade de alma não se conta. Mãe de três (sem contar o agregado canino Titico), a vizinha da padaria, a Professora de português-inglês, a motorista em disparo na Avenida Internacional, a garra do casamento. Moderna, descolada, polêmica? Sempre à frente do seu tempo...We are the world como gostava de expressar, ai de você se não tivesse o verbo To Be na ponta na língua. Um exemplo de muitas mulheres em apenas uma, repleta de colares, pulseiras, brincos, anéis de bola e roupas espalhafatosas. Para muitos a grande amiga Nadir Nazari de Oliveira, mas para mim a eterna tia Jacaré.

Uma mulher intensa, enérgica e solidária. Ativa em diversos projetos sociais por toda Lucélia, foi a cabeça da antiga Casa da Sopa, num trabalho que começou em 1991 no Centro Espírita Allan Kardec da cidade, onde atendia mais de 30 famílias por final de semana. Nadir era responsável pela chamada no sábado de manhã, pela lição, pela oração até a distribuição da sopa. Tudo era arrecadado por doação em feiras livres, além de açougues, supermercados e padarias, tudo em comunidade para a produção dessa sopa, repleta dos ingredientes fundamentais que nos tornam humanos: a dignidade do existir. Um lindo projeto que todo final de ano ofertava uma Cesta de Natal em que os voluntários do centro se dividiam em atividades para compor o presente. Era um trabalho em que um grupo de grandes mulheres como Nadir, Matilde, Cibele, Neuza, Mariazinha Eto, Cidinha Arruda e Tia Nilce se desdobravam pela região para levantar fundos e visitar as casas de diversas famílias que necessitavam dessa sopa.

A minha tia Nadir sempre foi a personificação da ajuda, ao longo desses anos nunca a vi soltar a mão de ninguém, principalmente dos seus alunos. Responsável por educar inúmeras gerações, começou a dar aulas no final da década de 1950, num bairro rural de Lucélia e ministrou até a primeira década dos anos 2000 na FAI em Adamantina. Foi professora de português-inglês nas escolas públicas E.E. José Firpo em Lucélia, E.E. Helen Keller e na particular Anglo, ambas de Adamantina. São incontáveis os alunos que tiveram a oportunidade de rir, cantar e gargalhar com uma professora baixinha, brava, de personalidade única e um coração do tamanho do mundo.

Todo Domingo de manhã lá estava Dona Nadir no Centro Espírita para fazer sua oração e participar da comunhão entre aqueles que acreditam que a alma é um bem precioso e mais vasta do que a conhecemos. Os trabalhos mediúnicos sempre fizeram parte da mulher que foi, de uma sensibilidade e paz que só quem conviveu ao seu lado sabe como era gostoso estar em sua companhia. Nasceu em 1940, foi abençoada por uma década musical tão poética, talvez daí tenha vindo sua sensibilidade para contemplar a vida e perceber desde cedo que todos somos passarinhos. Partiu do plano terrestre no dia 25 de fevereiro, no mês do carnaval toda enfeitada, e como todo samba, nos deixa o peito aquecido e repleto de saudades.

Nadir Nazari e os sobrinhos Luís Augusto e Débora (Acervo Pessoal).

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