Opinião

Pela defesa de um tratamento digno à causa da saúde mental

Artigo defende uma rede interligada na qual o hospital é parte integrante e insubstituível.

Por: Ruth Duarte Menegatti | Juíza de Direito.
Pela defesa de um tratamento digno à causa da saúde mental

O fechamento de leitos em hospitais psiquiátricos sem a oferta proporcional de tratamento na rede substitutiva deixou pacientes de transtornos mentais desamparados.
O movimento antimanicomial pretendeu implementar uma reforma psiquiátrica no País (Lei n. 10.216/2001), indicando que a manutenção das internações seria um contrassenso, um retrocesso. Todavia, a implantação do sistema foi um desastre.
Com efeito, os pacientes foram retirados dos hospitais psiquiátricos sem que existisse um sistema substitutivo estruturado, consubstanciando-se em verdadeiro engodo legislativo, pois aqueles que deveriam instalar o novo sistema de modo eficiente, conforme determinado pela lei, simplesmente não o fizeram.
A promessa de garantia da dignidade da pessoa humana, em razão do fim dos leitos psiquiátricos, não se realizou. A lei não se concretizou, não promoveu o prometido pelo discurso do legislador, havendo a quebra estrutural do sistema com o agravamento do quadro existente, na medida em que tais fechamentos de vagas não foram compensados proporcionalmente pela existência de uma rede substitutiva.
Decerto, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), criados para dar atendimento contínuo e aberto aos usuários, não foram e ainda não são suficientes, e parte dos Centros criados não conta com profissionais à altura do ideário previsto na legislação. Assim, o CAPS não substituiu o leito psiquiátrico, o ambulatório ou o pronto-atendimento.
Via de consequência, o direcionamento dado para a política de saúde mental mostrou-se incapaz de tutelar os usuários, sendo imperiosas mudanças para atender à demanda crescente de serviços, principalmente dos usuários de drogas.
Em que pese existam instituições precárias e com atendimento desumano, defendemos uma rede interligada na qual o hospital é parte integrante e insubstituível.
O modelo deve manter os hospitais psiquiátricos como instituições de referência, com atendimento nos CAPS e nas residências terapêuticas, criando leitos em hospitais gerais.
O foco das inovações deve ser o tratamento, associado à evolução científica, assistência espiritual e psicológica, inserindo o paciente em atividades humanizadas e próximas do convívio social.

Caso-modelo

 

“Um sonho que se sonha só é apenas
um sonho, um sonho que se sonha
juntos se transforma em realidade.”
(Dom Helder Câmara)

 

Em Adamantina, centro de nossa experiência, haveria o fechamento anunciado da Clínica de Repouso Nosso Lar.
Trata-se de uma associação privada fundada em 1969, que trabalha com internações temporárias desde 1980, para tratamento psiquiátrico e de dependência química, assim como acolhe moradores, que, pelo estado de regressão, não foram encaminhados para as residências terapêuticas.
Os motivos do fechamento do referido Hospital seriam dívidas trabalhistas e tributárias, o que prejudicaria o atendimento de 33 (trinta e três) Municípios, um total de 144 (cento e quarenta e quatro) pacientes, que, na sua maioria, são privados de condição econômica. Desses, 50 (cinquenta) são moradores que estavam amparados há anos e guardavam relação de afeto com o local e com os funcionários.
Destarte, a notícia da iminente paralisação dos serviços causou grande comoção na cidade, fortalecendo imediatamente os vínculos da comunidade (social, político, institucional, religioso), com formação imediata de uma rede que inesperadamente deu voz à causa da saúde mental.
Para obstar a interrupção em face da movimentação relatada, foi instaurado Inquérito Civil Público pelo ilustre Promotor de Justiça Dr. Rodrigo Caldeira com o objetivo de verificar a viabilidade da continuidade do serviço.
Apurou-se, assim, por intermédio de relatórios dos profissionais ligados à saúde (Estadual, Municipal e Federal), a possibilidade de reorganização do Hospital, constatando cobertura insuficiente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e má gestão da Diretoria (auditoria).
Ao contrário do caminho mais cômodo, que seria fechar a combalida instituição, passou-se à transformação daquele hospital psiquiátrico, que se encontra ainda em franco desenvolvimento, significando uma verdadeira reconstrução.
Para tanto, o movimento contou com a participação do Poder Judiciário, do Ministério Público, da comunidade e empresas de Adamantina e toda a região, principalmente com o apoio do Bispo Diocesano de Marília e dos Padres da Cidade.

Levantou-se a bandeira da solidariedade, tendo como Padrinho da causa Dom Luiz Antonio Cipolini, sendo apresentado projeto de reestruturação com supervisão dos órgãos públicos, trazendo credibilidade novamente ao Hospital, com a imposição de Consultorias nas áreas administrativa e de tratamento, que indicam o caminho para a quitação das dívidas, em sua grande parte já regularizadas, assim como para a criação de um novo modelo educacional idealizado.
“A vertente educacional é capaz de produzir mudanças no paciente, na família e na sociedade como um todo. É um processo que atua na busca do sentido da vida. O foco da Educação Terapêutica é buscar a reabilitação e uma preparação para a inserção do paciente na sociedade, no mercado de trabalho, no exercício da cidadania e no seu papel familiar, conscientizando-o da sua enfermidade e colocando-o na posição de responsável pela manutenção constante da sua recuperação” (Denise Alves Freire, Consultora Educacional).
Por outro lado, foram mantidos os empregos dos que trabalham no local (cerca de cem funcionários), sendo feito o pagamento de indenizações trabalhistas devidas após intenso trabalho de Consultor da área, sendo, com isso, liberada de constrição judicial a sede do hospital, melhorando as perspectivas de reorganização.
Fica registrado o respeito dispensado à causa pela Digníssima Juíza do Trabalho, que verificou in loco os resultados positivos de um leilão realizado e suas consequências para a instituição, além da ajuda na realização de mutirões de audiências de conciliação entre o hospital e os funcionários credores.
Convém destacar que muitos dos funcionários aderiram ao plano por amor à causa da saúde mental, abrindo mão espontaneamente de algumas verbas trabalhistas.
Diversos pedidos foram feitos pela equipe do Hospital para as empresas e instituições visando divulgar o trabalho de reestruturação, expondo as dificuldades, as consequências do fechamento principalmente para os moradores, com apresentação dos índices alarmantes de suicídio em nossa região.
São 50 (cinquenta) casos de suicídio anualmente na região, e a Clínica presta importante papel na prevenção da concretização de muito deles através de seus programas.
Pela credibilidade do novo trabalho e transparência dos resultados, foram recebidas doações (até hoje, diariamente), o que resultou em grandes conquistas, como: a reforma parcial do prédio (sob a supervisão do renomado Arquiteto Pedro Garcia Lopes); economia e redirecionamento de verbas em razão da arrecadação de gêneros alimentícios em eventos promovidos (Exército e Polícias Militar e Civil envolvidos nas ações); e a realização de atividades como Simpósios, Palestras, Cursos com voluntários e integração com Pastorais, e a vinda do Presidente do Hospital do Câncer de Barretos, Henrique Prata, que tratou do tema “Humanização da Saúde”.
Em verdade, foi Henrique Prata a inspiração para a manutenção do Hospital Psiquiátrico (Livro Acima de Tudo o Amor), onde constatei na sua obra a importância de salvar vidas, realizando sonhos por meio da fé e do trabalho sério.
Em sua vinda para Adamantina, Prata fortaleceu a causa psiquiátrica, reforçando os aspectos humanitários da questão, numa palestra realizada no Centro Universitário de Adamantina, com a presença de diversas autoridades de diferentes áreas ligadas à causa.
Como forma de respeito e gratidão, Henrique Prata tornou-se nome do Centro Humanitário da Clínica, criado dentro do processo de reorganização, visando oferecer um melhor tratamento psiquiátrico aos pacientes.
O caminho escolhido foi iluminado pelo formato do Hospital do Câncer de Barretos, um dos maiores centros de tratamento oncológico do planeta. O ideário de ser incansável e perseguir sempre o melhor para o paciente são metas do Hospital.
Um prêmio foi compartilhar essa luta com Adamantina e toda a região, encontrando ressonância em todos os setores, merecendo destaque a adesão de vários artistas (tendo à frente o produtor musical Luis Henrique Paloni), que divulgaram a situação do local, trazendo, assim, a lembrança do desejo do bem ao próximo.
Dentro da perspectiva do cuidado amoroso e aprofundamento do conhecimento técnico, podemos afirmar que oferecemos uma nova dinâmica de trabalho, capaz de sustentar a atividade essencial na fase aguda da doença. Esse trabalho no processo de internação deve ser visualizado como uma espiral contínua, pautada na educação e aliada à intervenção hospitalar e espiritual. E, dentro dessa perspectiva, o paciente é trabalhado em seus diferentes níveis de desenvolvimento humano: biológico, psicológico, espiritual e social. Com esse programa podemos experimentar, de forma pioneira, novas formas de microgerenciamento da saúde e do tratamento individualizado, que poderiam ser transferidas para os demais hospitais.
Temos como propósito ser referência nos serviços de diagnóstico e intervenção, com tecnologias e técnicas inovadoras, num modelo de gestão autossustentável, validando e difundindo modelos eficientes de intervenção.

Ruth Duarte Menegatti | Juíza de Direito | 3ª Vara da Comarca de Adamantina.
Este artigo é parte integrante da Revista da APM (Associação Paulista de Medicina) – Coordenação: Guido Arturo Palomba – Abril 2018 – n. 300

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