Memória

Entre a cruz, a estrada e a eternização da dor

Uma curta explanação sobre as cruzes e capelas de beira de estrada.

Tiago Rafael | Professor, historiador e gestor ambiental Colunista
Tiago Rafael | Professor, historiador e gestor ambiental
Entre a cruz, a estrada e a eternização da dor

“O que cremos sobre a vida após a morte afeta diretamente o que cremos sobre a vida antes da morte”

N. T. Wright

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Mais uma vez, fomos bombardeados nos últimos dias, por uma série de acidentes nas rodovias e estradas locais. E por mais curioso que possa parecer, acabei percorrendo alguns trechos da Rodovia Comandante João Ribeiro de Barros, a SP-294, e me deparei com inúmeras cruzes de madeira e capelinhas construídas ao longo de seus acostamentos.

Em diversas localidades interioranas, tornou-se uma tradição erigir uma cruz (santa-cruz) ou uma capelinha no lugar onde tenha ocorrido um acidente com vítimas fatais ou até mesmo assassinatos, como uma forma de se eternizar a lembrança dos entes queridos, sinalizando a quem por ali passasse, a necessidade de se rezar pela “alma” deste ou daquele infeliz. Além disso, perpetua-se a ideia que após a morte, a alma ainda continuaria “vagando e assombrando” os motoristas e pedestres que por ali passassem.

As mais comuns são construídas de madeira, mas há de se mencionar que também são encontradas cruzes e capelinhas de diversos materiais. Ressalte-se que também há grande quantidade de detalhes, enfeites e objetos (muitas vezes, do próprio dono). No entanto, algo bem comum a todas elas são as inscrições do nome e as datas de nascimento e morte da pessoa.

Ao longo do tempo, em diversas localidades muitos desses espaços acabaram se tornando lugares de devoção, aviso ou sinalização de lugares perigosos e até mesmo referências geográficas. Enfim, cada um com a sua história (muitas vezes assustadoras) e características próprias.

Tais rituais fúnebres e post-mortem permeiam o imaginário popular e acabam sendo criados e recriados em conformidade com os traços culturais e religiosos de onde se inserem. Neste caso, a mescla entre a religiosidade popular católica e o sincretismo religioso das diferentes e diversas vertentes religiosas presentes em nosso país.

Nos dias atuais, tal tradição está caindo em desuso e muitos nem sabem o seu real significado, mas basta dar uma olhadinha nos acostamentos das rodovias e estradas vicinais locais, pois algumas delas ainda resistem ao tempo. A nós ficam apenas as constatações de que seja no cemitério, na rodovia ou na estrada, a eternização da dor supera os recônditos familiares.

Tiago Rafael dos Santos Alves é historiador. Acesse aqui seu perfil.

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